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TEMPORADA 2 - EPISÓDIO 3

Ana Coli

Temporada 2 Episódio 3 – Ana Coli
PROJETO: Desenhando Produtos
TRANSCRIÇÃO: Lady González

Ana Coli começou a carreira como jornalista, tornou-se arquiteta de informação e depois pesquisadora. Em 2010, fundou a Saiba+, que se consolidou como uma das principais consultorias de UX brasileiras até ser incorporada por uma agência digital oito anos mais tarde. Contribui com a comunidade de UX nacional por meio da organização do WIAD (Dia Mundial da Arquitetura de Informação, na tradução da sigla para o português) e do apoio ao Panorama UX, pesquisa voltada para os profissionais que trabalham com usabilidade no País. Atualmente, atua como Design Manager no Nubank.

Hoje nós temos uma convidada especialíssima. Ela que é uma expoente da cultura de design no Brasil, ela vai trazer para a gente muitos insights, muitos aprendizados, coisas incríveis que só ela é capaz de compartilhar conosco! Ela é UX Manager hoje no Nubank. Ana Coli, seja muito bem-vinda.

 
Ana – Obrigada! Josias, vou te contratar para fazer minhas apresentações, para eu me apresentar, sempre que eu for falar, vou botar a tua voz. Obrigada, gente! 
 
A gente começa como de praxe, como sempre, pedindo para que você se apresente, que você diga para que veio, o que você está fazendo, para onde você gostaria de ir e como é a sua história? Como foi a sua história?
 
Ana Primeiro vou agradecer o convite, muito feliz de estar aqui com vocês. Obrigada. Obrigada a todo mundo que está ouvindo, depois me mandem mensagens para dizer o que vocês acharam. Vou contar a minha história então: eu fiz jornalismo e quando eu me formei, meu sonho obviamente era trabalhar como jornalista, então meu primeiro emprego depois de formada foi numa rádio, mas eu fiquei pouco tempo porque eu queria muito vir para São Paulo. Cheguei aqui em São Paulo bem no começo da primeira bolha da internet, tinha bastante emprego pra quem era produtor de conteúdo, jornalista e eu comecei trabalhando fazendo conteúdo para portais online. No começo eram muitas notícias mesmo para empresas que tinham sites, que tinham conteúdo e aos poucos eu fui migrando. 
 
Naquela época a gente chamava de Arquitetura da Informação que existe ainda hoje, mas o que não se chamava muito era o UX, não se falava nenhum UX. Eles falavam, óbvio, de experiência do usuário, mas a primeira disciplina da área que eu conheci, de fato, foi Arquitetura da Informação. Então eu trabalhava em uma agência digital fazendo conteúdo para portais e comecei a estruturar esses conteúdos, o que pra mim na época fez muito sentido. Da mesma maneira que você estrutura uma notícia para o leitor entender a informação de uma maneira clara; tem uma hierarquia de informações, tem a famosa “pirâmide” que as informações mais importantes estão no primeiro parágrafo para que você passe toda a informação que o leitor precisa, eu conseguia fazer um monte de paralelos entre isso e a organização de informações no site, em hotsites. Lembra quando a gente fazia hotsite? Era uma estrutura apartada do site principal da empresa, geralmente uma estrutura promocional, site da empresa era engessado, não tinha CMS para publicar conteúdo então a empresa fazia hotsite para alguma promoção, alguma coisa casual. E aí eu comecei a fazer muita organização desses conteúdos: Arquitetura da Informação. E comecei a estudar sobre isso; entrei em um grupo de discussão, era um grupo de discussão por e-mail: a lista de AI, famosa na época. 
 
Comecei a frequentar eventos; o primeiro evento que eu frequentei foi feito pela Carolina Leslie que depois viria a ser minha sócia, eu nem sabia que isso ia acontecer, mas foi o primeiro e Encontro Brasileiro de Arquitetura da Informação, teve 3 edições em São Paulo e na época não tinha nenhum evento grande. Isso foi antes do ISA, um pouco antes. Comecei a conhecer os autores da área, comecei a ler, comecei a entender que era uma área. E quando eu entendi a importância do usuário nesse processo, a importância de conhecer o usuário, falei: “quero trabalhar com isso, quero fazer pesquisa”. 
 
E eu fui trabalhar na Try Consultoria, que era uma das grandes consultorias, até hoje é uma das maiores consultorias brasileiras. Naquela época era uma das consultorias que existiam. Existiam poucas na época e lá comecei a trabalhar com pesquisa com o usuário; isso foi em 2008 que eu trabalhei na Try. E foi muito curioso porque foi uma espécie de reencontro com minha repórter porque o processo de entrevistar era muito natural para mim, mas eu ouvia minha voz várias vezes seguidas, porque você faz um roteiro várias vezes e pensei: “Meu deus, não consigo fazer a mesma pergunta! Vão causar estranhamento ao mesmo tempo, não aguento mais fazer a mesma pergunta por mais que fossem pessoas diferentes.” Lógico, aprendi que eu tinha que observar outras coisas que eram diferentes de uma entrevista jornalística. Mas eu gostei muito do processo de pesquisa e de como isso começou a fazer parte do meu processo de design. 
 
Então foi uma mudança total de pensar o processo de construção de produto. E aí em 2010 eu, Carolina Leslie e Alessandra Nara resolvemos montar a nossa consultoria, a Saiba Mais. E, de novo, foi uma coisa que eu nunca pensei, eu nunca quis ser uma empresária, nunca foi um sonho de infância: vou ter uma empresa. Não era isso. Mas em 2010 pareceu ser uma ideia muito boa a gente montar uma empresa. E a gente queria montar uma empresa do nosso jeito, ir atrás dos clientes que a gente quer, fazer um lugar onde as pessoas gostem de trabalhar e as pessoas vão ficar empolgadas em trabalhar com a gente, e vai ser legal, e a gente vai poder fazer o que quiser. Em partes a gente conseguiu, eu fico feliz pela nossa trajetória porque as pessoas realmente queriam trabalhar com a gente. Foi uma coisa muito impressionante. 
 
A gente criou uma marca muito forte e respeitando, não só o processo de design, mas as pessoas, principalmente. Então a gente criou um ambiente muito aberto a ouvir e aprender junto, a construir junto, então foi muito bacana. Lógico que foi muito difícil, não vamos romantizar, é muito difícil ter uma empresa, a gente teve que aprender uma porção de outras coisas que a gente não sabia, e a gente foi buscar como se tem toda uma estrutura por trás de ter uma empresa e como você se vende também, porque você passa a ser uma marca e você precisa vender o seu trabalho também. Mas foi muito bacana. 
 
E aí a gente acompanhou toda essa mudança do mercado porque a gente teve a empresa de 2010 até 2018. Em 2018 a gente decidiu vender. A gente já havia tido algumas conversas antes, mas nunca tinha sido alguma coisa que empolgou muito a gente. Mas em 2018 a gente sentiu que o mercado havia mudado muito e a gente precisava juntar forças com outra empresa. E aí a gente encontrou a Zoly, que fez muito sentido porque eles são muito fortes em dados, tagueamento, toda essa parte quantitativa que a gente não tinha, então a gente entendeu que era um casamento muito bom, uma cultura muito parecida com a nossa, uma preocupação muito grande com as pessoas. Quando você vende um serviço, você vai junto. A Zoly não tinha uma área de UX, a gente foi ser a área de UX da Zoly. Isso foi em 2018, em maio e eu fiquei lá até o ano passado. Nessa época a Ale não estava, ela saiu no fim de 2016, eu e a Carol estávamos juntas e depois lá dentro a Carol mudou, foi cuidar de produtos digitais e eu fiquei com a área de UX e pesquisa, como diretora de UX e pesquisa. 
 
Aí no começo de 2020, bem antes da pandemia, a Zoly foi novamente vendida, agora pra Mutante, um grupo maior com outras empresas. Eu acabei incorporando uma nova área de service designer, então fiquei com essas três áreas embaixo de mim e aí eu fiquei lá até o final de outubro de 2020 quando o foco da empresa mudou um pouco e aí eu achei que não era mais um caminho que fazia mais sentido pra mim. Comecei a repensar muito o que eu queria porque eu sempre trabalhei em consultoria e agência digital, e eu comecei a ter essa vontade de trabalhar em empresa. E foi muito louco porque esse ano quando eu comecei a fazer entrevista, porque ano passado tirei férias, comecei a fazer uns cursos loucos também, mas esse ano retomei algumas conversas, e conversas com consultorias não me atraíram tanto. Comecei a falar: “Eu acho que quero trabalhar com produto, quero ver o produto de dentro”. 
 
E foi então que eu conversei com o Nubank e fiquei muito interessada. E aí comecei a trabalhar com o Nubank. Recebi a proposta, comecei a trabalhar faz 3 meses, comecei em maio; e agora eu sou a gerente de UX de duas áreas: Fraude Collections dentro do crédito do Nubank. A gente é separado por unidade de negócios e eu cuido dessas duas áreas, dessas duas vertentes. Estou há 3 meses e meio.
 
Então você está relativamente bem no início da caminhada, está “rampando” como a gente costuma falar?
 
Ana Sim.
 
Qual a sua filosofia quando a gente entra em uma nova empresa? Porque a empresa já está lá. Eu chego e eu sou a novidade. Qual é a sua filosofia quando a gente entra em uma nova empresa? O que você olha? Por onde você começa? O que você observa?
 
Ana – Preciso, num primeiro momento, conhecer as pessoas: com quem eu vou trabalhar, quem são as pessoas que trabalham aqui, principalmente, quem são as pessoas que trabalham comigo. Eu tenho dois times, então são 5 pessoas, tem algumas pessoas novas entrando, algumas vagas abertas, mas eu preciso me conectar com essas pessoas. Isso foi interessante porque quando eu ganhei o time de Service Designer lá na Zoly, foi a primeira vez que eu assumi um time que eu não havia construído há muito tempo. Como eu fiquei 10 anos com a Saiba nessa transição, eu sempre fui construindo os times, então sai uma pessoa entra outra, participa do processo de entrevista, e aí quando você assume um time que não foi você que contratou, você não conhece todo mundo, é um universo novo e você precisa aprender a se conectar com aquelas pessoas e num ambiente que está totalmente virtual. Como eu faço isso? Como eu chego nessas pessoas? Como elas me conhecem? Como eu conheço um pouco delas? Várias conversas até você ir se soltando, não acontece de um dia para o outro. Mas é engraçado que eu percebi que esses 3 meses serviram para isso; hoje eu consigo ter uma conexão com esses times. A função desse período de experiência desses 30 dias foi fazer esse caminho de me conectar com eles pra conseguir daqui pra frente, o que é o trabalho, pra onde a gente vai. 
 
E tem muito de conhecer o negócio: o Nubank tem 2 semanas de onboarding, é uma loucura, muitas reuniões e muita informação. Na primeira semana eu ficava esgotada com a quantidade de informação. As reuniões são sempre curtas, meia hora, uma hora, mas é muita informação. Então demora um pouco também para você assimilar as informações da sua unidade de negócio; o que eu preciso prestar atenção? Quais são as informações importantes pra mim? No começo é tudo uma enxurrada de informação, de sigla, de coisa que você não entende, de gráfico maluco, dá aquele desespero e você fala: “Uma hora eu vou entender”. Então também tem todo esse aprendizado sobre o que é esse negócio aqui que eu estou trabalhando.
 
Se você pudesse voltar no início da sua carreira com todo o conhecimento que você tem hoje, você mudaria alguma coisa?
 
Ana – Eu falaria pra eu estudar mais. A Carol falava muito isso quando a gente tinha empresa: “Alguém já estudou isso? Vamos ver o que essa pessoa aprendeu pra gente não cometer os mesmos erros?” Existe conhecimento sobre ter uma empresa, por mais que o negócio de UX seja novo, mesmo a 10 anos era novo, ter um negócio não é novo. Existe muito conhecimento por aí e a gente pode aprender com outras pessoas. Acho que eu falaria para a eu mais nova estudar. Teve uma época em que eu trabalhava tanto que parei. Lógico, você estuda e não trabalha, mas seria bom ter aprendido mais coisas pra não errar tanto.
 
Você disse que chegou no Nubank como Manager, Designer Manager, e aí eu queria saber a sua opinião sobre quais as principais atribuições de um Designer Manager?
 
Ana – Eu estou lá como Manager tanto dos designers quanto dos researchers. Eu tenho designers e researches no meu time, embora todo mundo seja do set de designers. Tem muito essa visão do negócio de você conectar qual é o hall de map que você tem que entregar com os objetivos de negócios. Então, por exemplo, a gente estava fechando algumas semanas os LOQRS para o segundo semestre. Então, quais são os objetivos de cada BU para aquele semestre? Os objetivos de negócio e como ele se conecta com o design? Eu acho que o Manager tem esse papel de olhar para isso e ver se as coisas estão caminhando naquela direção para a gente atingir esses objetivos em conjunto. Não é uma atribuição só dos designers, mas eles precisam caminhar, eles precisam ajudar com a unidade de negócio toda para entregar aqueles objetivos, então a gente tem muito esse papel de orientar o time na direção correta, ajudar o time nisso. Alguma coisa que eu aprendi assim ao longo do tempo é confiar na equipe, você tem que trabalhar com uma equipe em que confia. Eu não sou de ficar: “Você fez isso? Fez aquilo?”. Mas mais de: “Vamos conversar sobre isso e ver como eu posso te ajudar a melhorar esse trabalho?” A minha experiência vem mais como contribuição para aquilo, para ajudar mesmo naquele entregável ou então aquele olhar de: “Eu acho que você deveria investigar mais isso” ou “Fala com aquela pessoa?”. 
 
Eu vejo muito as conexões como um papel do Manager. Como que eu faço conexões? Como Manager a gente acaba tendo contato com as outras unidades de negócio e tem acesso a algumas informações que as pessoas, no dia a dia, não têm. Não é que somos privilegiados, não é nada disso, mas simplesmente porque você está em fóruns que as outras pessoas não estão. Então eu vejo esse papel: “Então você vai conversar com essa pessoa que ela vai te ajudar a fazer isso” ou “Essa pessoa está fazendo a mesma coisa que você. Por que vocês não fazem juntos ou tem uma conversa?” Estabelecer essas pontes, essas ligações eu vejo como um papel muito importante hoje.
 
E se fosse pra você linkar uma habilidade que um Design Manager deve ter, pra você, qual seria?
 
Ana – Ouvir. A escuta sincera, a tal da escuta ativa. Ouvir seu time. Você tem que parar realmente para escutar o que as pessoas estão falando, porque às vezes você não vai saber lidar com situações que são simples. Às vezes você vai ouvir alguma coisa de uma pessoa e vai ter um pré-julgamento, mas ouve outra pessoa, entende o que foi aquela situação porque se você não ouve mesmo de uma maneira aberta pra tentar entender o ponto de vista daquela pessoa, o que aconteceu, como que ela está lidando com aquela situação ou um problema pela qual ela está passando que está afetando o trabalho dela, você não consegue fazer nada. 
 
Tudo vem a partir dessa escuta, seja uma dificuldade que ela está tendo no trabalho, seja uma dificuldade que ela está tendo fora do trabalho, você só vai conseguir fazer esse papel de ajudar seu time se você conhecer de fato as pessoas e entender quais são as dificuldades dela no dia a dia, porque todo mundo tem. Por que eu falo mais de dificuldade? Porque quando você está voando e está fazendo coisa boa aí não tem muito com o que lidar, é só elogio e beleza. Dificuldades todo mundo vai enfrentar uma hora ou outra e só conversando você vai conseguir tentar encontrar soluções para aquilo em conjunto, não existem coisas milagrosas.
 
Eu vou pegar o gancho na questão da escuta. A gente escuta muito falar e a gente vê também que o mercado está aquecido. Tem muita gente que está migrando para o design, e as pessoas agora querem UX designers, as empresas querem UX designers e as pessoas estão querendo ser designers, elas querem ser UX designers também. Na sua visão, qual é o grande desafio para quem está migrando e querendo ir para um mercado tão aquecido como esse?
 
Ana – As empresas entenderam que é importante o mercado todo e entendeu que é importante, isso é muito bom. E as pessoas querem migrar, o que é ótimo também. É legal trabalhar com o que a gente trabalha. Quem está migrando, passando pela dificuldade do funil, porque hoje como está muito atrativo tem muita gente júnior querendo sua primeira chance então o que eu vejo é uma dificuldade grande de conseguir essa primeira chance. As pessoas perguntam muito: “Como eu monto um portifólio?”, “Como eu consigo uma entrevista?”, “Como eu consigo o meu primeiro emprego? Acho que tem que entender que é uma trajetória mesmo, não é fácil, quanto mais você estudar, melhor. Isso vai ser um diferencial. 
 
Quanto mais você investir no seu portfólio com projetos, mesmo que você não tenha um primeiro emprego, fazer projetos que sejam para uma ONG que você conhece, que tem algum contato, que seja um projeto real que você consiga mostrar que você foi lá e fez o processo de design, entrevistou pessoas, entrevistou os stakeholders desse lugar e entregou, fez um processo de design que faz sentido e você monta o seu portfólio. Quanto mais você investir nisso, maiores serão suas chances de conseguir essa primeira oportunidade.
 
Então, para quem está tentando nessa primeira oportunidade, é uma barreira. Você precisa estudar, estudar e estudar, se especializar sempre. E para quem contrata, ao mesmo tempo, é difícil porque quando eu tinha a Saiba Consultoria pra gente fazia muito sentido contratar pessoas júniores porque a gente tinha um ambiente que proporcionava esse aprendizado então a gente tinha pessoas lá que iam dar mentoria para essa pessoa, acompanhar essa pessoa de perto, ela não ia ficar perdida na organização. A gente contratava bastante júnior, sempre treinou pessoas, teve esse compartilhamento de conhecimento, de informação, mas não são todos os lugares que tem isso. Às vezes as empresas só tem uma vaga e aí elas falam: “Eu não vou contratar um júnior porque vai ser a única vaga que eu tenho para UX”. Então se ela contrata um júnior, a pessoa não vai conseguir entregar o que ela está esperando, então tem muito disso ainda, tem muito empresa precisando, mas as empresas precisam de profissionais mais especializados e o que mais temos no mercado são os júniores, então tem esse conflito da demanda e oferta que não está batendo. 
 
Eu acho que é o momento do mercado que vem desse aquecimento de alguns anos já e em algum momento isso vai estabilizar porque eu não vejo a importância do UX diminuindo, eu só acho que a gente vai conseguir formar profissionais com mais velocidade. A tendência dos cursos, por exemplo, a gente já vê faculdades, universidades públicas tendo mais cursos voltados para a prática, então a tendência do mercado é você ter mais ofertas de profissionais especializados mesmo e em algum momento eu vejo mais um equilíbrio. Mas enquanto isso, é uma situação delicada mesmo porque existe um pouco desse descompasso e as pessoas ficam mudando loucamente de emprego, ficam pouco tempo em um lugar, recebem uma oferta maior e acabam indo para outro lugar. É uma coisa que a gente tem que lidar nesse momento especial que a gente está vivendo.
 
Qual o tempo ideal para as pessoas ficarem em uma empresa? Por que ela deveria ficar e o que ela deveria ter feito?
 
Ana – Vamos imaginar que o trabalho tenha uma situação legal, que é um equilíbrio vida pessoal e trabalho ok, que é um ambiente ok de se trabalhar: tendo isso em vista eu sempre fiquei enquanto estava aprendendo, quando eu sentia estar aprendendo coisas novas que é um pouco de “você ser desafiado”. Sempre falo para a pessoa olhar isso: “Você está aprendendo?”, “Você está se sentindo crescendo?”, porque às vezes as pessoas ficam muito tempo em um lugar, mas você vai olhar o currículo por exemplo, e pensam: “Entrou em um cargo, foi para o outro”, “Aqui não tinha tudo isso que ela está entregando agora”. 
 
E eu sempre senti muito isso, acho que faz sentido ficarem enquanto você também está usufruindo daquela relação. Você está crescendo profissionalmente, você está aprendendo coisas novas. E coisas novas podem ser: sair de júnior, para pleno e para sênior ou começar a aprender uma posição de gerente que é outra coisa, mas que muita gente acaba querendo ter uma posição de gerenciamento de pessoas. 
 
É um grande desafio aprender isso, se você está treinando para ser um gerente, é uma coisa nova que você está aprendendo, então quando as coisas não estão legais acho que faz sentido sair, ou se você se sente estagnado e você fala: “Faz meses que eu não aprendo nada, não tem nada bom aqui pra mim” acho que faz sentido eu mudar.
 
Eu queria saber, na sua opinião em termo de valores, o que você acha da galera pedindo salários de pessoas com mais experiência? O que você vê disso?
 
Ana – O “pedir” não me incomoda. Acho que nesse sentido o mercado se regula. A gente vai ter lugares ofertando mais porque precisam contratar determinados números de profissionais. Eu já sofri bastante com isso na época da consultoria porque algumas pessoas saíram para ganhar literalmente o dobro do que eu pagava, e parece que eu pagava muito pouco, mas não é porque eu sou mão de vaca, obviamente quando se trabalha em consultoria às vezes você não consegue fugir muito, não consegue pagar o que uma fintech está pagando. 
 
Eu acho que é meio normal isso, mas eu acho que se você só buscar isso, em algum momento vai se transformar em uma frustração porque o dinheiro acaba sendo a arma. “Mas é só isso que você busca no seu trabalho?”, lógico não estou falando que o dinheiro não é importante, a gente está falando de uma situação privilegiada aqui, não tem ninguém passando por dificuldades, enfim, um ponto de vista de privilégios. 
 
Mas o buscar só o dinheiro, eu acho que ele é só satisfatório em um primeiro momento; ele acaba, ele tem uma data limite. Tem uma hora que você vai querer mais coisas e vai olhar para a empresa que você está, os desafios que você tem, as pessoas com as quais você trabalha, quem é seu líder direto. É uma pessoa que te inspira, seu líder direto? A empresa te inspira a ficar lá? O que você está construindo é alguma coisa que te motiva no seu dia a dia? São perguntas que acabam fazendo muito mais sentido quando você está mudando de emprego.
 
Na sua visão, é muito difícil criar uma cultura de design em uma empresa?
 
Ana – É muito louco essa coisa da cultura porque antes de ter empresa eu achava que era uma coisa tão abstrata, mas depois que eu tive minha consultoria eu percebi que a cultura é mais do que a gente, é mais que as fundadoras da empresa. As pessoas têm essa cultura, por exemplo: a cultura de colaboração era muito forte, de se ajudar, de ser uma equipe, de um ajudar o outro e eu não sei explicar muito bem. Tem coisas que vem da gente, óbvio, mas elas vão passando para as pessoas. Talvez venha muito do jeito que você lida com as coisas, da importância que você dá para cada coisa. Eu acho que vem muito disso. Eu vejo as pessoas sofrendo bastante com isso ainda, mas acho que eu estou em uma posição meio privilegiada. 
 
Quando eu trabalhava na Saiba ou em consultoria eu já trabalhava com empresas em que elas viam a importância do design ou de fazer um teste de usabilidade por isso ela nos contratavam, e agora eu estou em uma empresa em que o design é o core da empresa. Não é que a gente não passa por situações, óbvio que não, eu também passei por esse papel de ser a pessoa que vai explicar o porquê da pesquisa com o usuário ser importante, mas eu não fui essa pessoa que ficou dando murro em ponta de faca, tendo que batalhar muito por isso dentro de uma empresa para estabelecer uma cultura de design porque acabou que eu trabalhei em ambientes que essa história já era mais consolidada por mais que juntamente você tenha que fazer uma apresentação explicando a importância de pesquisa com o usuário. É um pouco diferente, mas eu vejo as pessoas ainda hoje batalhando bastante por isso.
 
Falando na importância do design e sobre estratégia e visão, como você colocaria o design numa empresa digital em termos de ter que escalar o design? Você já disse que trabalhou em empresas que não precisava você fazer isso, mostrar esse valor do design. Eu por outro lado já passei por algumas em que eu precisava dar soco, precisava conquistar o espaço do design e isso foi muito ligando com estratégia, ligando com visão. Eu queria saber sua opinião sobre isso: qual o papel do design na visão e na estratégia de uma empresa digital?
 
Ana – As suas experiências foram em empresas digitais porque daí me espanta um pouco porque a empresa digital é tipo uma startup e aí você tem que batalhar pela cultura de design. Eu acho muito louco porque pra mim é totalmente incoerente você ter uma empresa com uma visão, um produto digital sem estratégia de design, sem o design participar da estratégia. 
 
Para mim é essencial, faz parte do todo e acho que o design cresce na medida que ele se aproxima dessa conversa com o negócio, então para onde a empresa está indo, qual é a estratégia de negócio da empresa e como o design aponta para isso. Não é que ele sempre vá concordar com isso. Não, mas por exemplo: se ele vai divergir, qual é a base dele para divergir? Como ele vai trazer essa informação para guiar a estratégia para o melhor lugar? Cada vez mais em que o design está junto com essa estratégia de negócio, é quando ele mostra mais o seu valor. Eu acho que a gente sofreu por muito tempo como os advogados dos usuários, não que isso seja importante, obviamente, mas a gente não pode ficar em uma situação meio inocente advogando a vida do usuário. “Ah, mas o usuário falou isso, o usuário falou aquilo”. 
 
A gente tem que ser um pouco mais esperto porque como aquilo que eu vi no campus se conecta com a minha estratégia, se conecta com o negócio? Porque aí a gente consegue embasar mais as discussões e mostrar mais o nosso valor, a nossa entrega. Tem que ser um pouco esperto, hackear o sistema, hackear o negócio.
 
Ainda existe esse olhar das empresas de que o design só está ali para fazer tela, está ali para cumprir uma função específica de desenhar. Ele não é muito visto como estratégico, estar inserido ali para pensar. São poucas as empresas digitais que tenham essa percepção e eu já passei por algumas assim e tive que lutar justamente para que o design não está ali só para desenhar tela, ele está ali justamente para fazer parte do cerne do negócio. Saiu um vídeo hoje do Donald Norman falando sobre o protagonismo no design. Ele estava criticando o processo de aprendizagem no design. Ele estava dizendo que a culpa pelo design não ter protagonismo em algumas situações é culpa do processo de ensino no design. O ensino no design é ineficiente em vários aspectos e aí designers acabam ocupando dentro da escada corporativa, níveis de entrada e níveis médios, mas muito pouco níveis estratégicos lá no topo da corporação. Qual o impacto que o Norman colocou nisso? Um exemplo que a gente vê que é um problema de design: aparelhos de alta tecnologia que são constituídos de itens que não são separáveis, então você não consegue descartar aquilo no ambiente e então a gente tem um problema de design ali porque um aparelho caríssimo como um telefone que dura em média 2 anos, terminou o tempo de vida útil dele de 2 anos, que na minha visão é um desperdício, você não consegue separar o aparelho, você não consegue desmembrar ele para reciclar e fazer novos aparelhos. Na Índia, se não me engano, montanhas e pilhas de lixo eletrônico em alta combustão porque são tantos aparelhos eletrônicos, tantas baterias que o lixo está pegando fogo nele mesmo. E eu fiquei pensando: “Qual é o protagonismo de design na sociedade do futuro?” Onde vamos ser um pouquinho mais espertos? Isso que você falou de ser mais esperto, na minha visão é esperteza de uma série de coisas, esperteza na própria subsistência da raça humana, é um pouquinho mais além.
 
Ana – Isso foi profundo, mas eu concordo.
 
Se você quiser dar um recado para o mundo que está nos ouvindo até agora, se você quiser falar sobre a sua mensagem de esperança para esses designers.
 
Ana – Não sei se é esperança, mas eu falo que a gente trabalha com o amanhã. Tudo o que a gente projeta não é para o hoje, é sempre para o amanhã. E a gente trabalha com isso, a gente trabalha moldando o futuro e qual é o futuro que a gente quer? A gente fala muito de técnicas de design, fica discutindo essas coisas, mas e a ética do nosso trabalho? Como a gente está trabalhando com isso no dia a dia? A gente fala muito do usuário, mas como as pessoas vão usar esses produtos que a gente está projetando? Quais as consequências que elas vão ter para a vida, para o mundo e o meio ambiente? São coisas que a gente precisa começar a pensar e discutir porque cada vez mais a gente vai viver em um mundo que é esse: que é a tela, que é digital, que são outras coisas não necessariamente de tela, mas com interface de voz e cada vez mais é uma aceleração absurda. 
 
Então cada vez mais somos nós que vamos projetar isso e a gente precisa refletir mesmo sobre essas consequências e impactos nas vidas das pessoas. Eu acho que a gente ainda faz isso de uma maneira superficial porque a gente conversa com as pessoas e traz isso para o dia a dia daquele produto e daquele problema que a gente está precisando resolver naquele momento, que é bom, que é importante. Óbvio que é importante, mas não muito mais abrangente do que isso, a gente ainda não fala muito sobre isso, sobre esse impacto maior e essa consequência.
 
Como a gente está muitas vezes no digital, a gente acha que o nosso trabalho não produz lixo porque a gente está no digital. Só que a quantidade de energia gasta em um serviço ineficiente, em um produto que não chegou no lugar que deveria, quanto combustível fóssil foi gasto para uma atividade que não estava otimizada, o quanto isso gerou de impacto e aborrecimento para as pessoas.
 
Ana – Eu tenho um exemplo bem claro sobre isso para todo mundo que trabalha com cartão de crédito ou débito, que emite um chip. Não sei se vocês sabiam, mas a gente está vivendo uma crise de lítio e a produção de chip está comprometida. Fora isso, um cartão é um plástico, não é nada sustentável e tem uma solução muito simples para isso que se chama cartão virtual que quase todo banco tem. Nem todas as pessoas usam, nem todas as pessoas sabem como usar. Como a gente incentiva isso? O que a gente faz para isso? Informar mais para as pessoas, por exemplo: se tiver que bloquear seu cartão porque você perdeu ou porque você sofreu uma fraude, você vai precisar de um cartão novo, um plástico novo. Vamos usar mais o virtual porque não gera lixo. E pode ser que seja bom, as pessoas querem saber disso, é um impacto menor então a pessoa pensa: “Eu não usava esse cartão virtual aí porque eu não achava bom”, “Agora você me deu uma vantagem, não quero gerar lixo, vou usar meu cartão virtual”.
 
Fica a nossa mensagem para o futuro, para as futuras gerações de designers. 
 
Ana – Sim. Não gerem lixo.
 
Ana, muitíssimo obrigado pelo seu tempo, pela sua paciência de nos aturar com nossas perguntas. 
 
Ana – Obrigada, adorei o papo! Passou muito rápido, estou chocada. Espero que o pessoal tenha gostado, vamos manter as conversas em aberto, que assim a gente prende com todo mundo. 
 
Nós deixamos todos seus contatos na descrição desse áudio e as pessoas podem entrar em contato com você, assistir aos materiais que você indica, os livros que você indica para leitura.
 
Obrigado pela participação. É isso, até a próxima!
 
Agradece e encerra.