Skip to content
TEMPORADA 2 - EPISÓDIO 1

Daniel Furtado

Temporada 2 Episódio 1 – Daniel Furtado
PROJETO: Desenhando Produtos
TRANSCRIÇÃO: Lady González

Daniel Furtado, Head de Produto e Design no Venturus e criador do UXNOW – maior canal sobre Experiência do Usuário no Youtube brasileiro. Como professor, lecionou em diversas disciplinas relacionadas à design e UX (IBTA, Puc Campinas, MBA USP-ESALQ, entre outros).

Livros Recomendados

Não me faça pensar – Steve Krug

Design do Dia a Dia – Donal A Norman

About Face – Alan Cooper

Design Emocional – Donald A Norman

The Elements of User Experience – Jesse James Garrett

Inspirado: Como Criar Produtos De Tecnologia Que Os Clientes Amam – Marty Cagan

HOOKED (ENGAJADO): Como construir produtos e serviços formadores de hábitos – Nir Eyal


Nós estamos aqui para falar com ele, que é um fenômeno na internet no Brasil. Ele é criador de um canal no YouTube com mais de 30 mil seguidores, Daniel Furtado.

Daniel – Boa noite, boa tarde, bom dia. Muito feliz de estar aqui com vocês.

Vamos começando de praxe, você se apresentando, dizendo de onde você veio, para onde está indo e toda a sua história de vida.

Daniel – Eu sou Daniel Furtado e sou designer. Até outro dia eu estava me chamando de Designer de Interação, agora eu parei. Agora eu sou Head de Designer. Eu trabalho com design há bastante tempo, acho que quase 25 anos. Basicamente todo esse período eu trabalhei com design digital então eu quase que trabalho com design digital meio que desde que o design ficou digital.

Eu lembro que na primeira empresa que eu fui trabalhar com design eu tinha 17 e o cara que era o meu diretor de arte ele fazia as coisas usando nanquim, estilete e um aerógrafo e eu usava o computador, então eles me chamaram porque eu usava o computador e não era tão comum assim. Era tudo de madeira, a gente brinca. Eu tenho um canal no YouTube chamado Ux Now e eu acho que é praticamente o primeiro canal de YouTube sobre UX aqui no Brasil. Tem 5 anos o canal, 35-36 mil inscritos e inscritas ali.

Atualmente estou trabalhando com Head Design e Produto numa empresa chamada Venturos que é um instituto de pesquisa e desenvolvimento; está sendo divertido, mas eu fiquei 20 anos gerenciando meu próprio estúdio de design, e agora no final de 2020 que eu acabei entrando para essa empresa e está sendo uma aventura. Eu coleciono cachorros, tenho 3 cachorros maravilhosos. Moro na cidade de Campinas, estado de São Paulo. Gosto muito de jogar videogame, colecionar coisas brilhantes e coloridas e livros também, principalmente de design.

Como você chegou no design? Por que você escolheu o design? Ou o design te escolheu?

Daniel – A impressão que eu tenho é que eu nunca cheguei no design, quando eu me dei conta eu estava no design. Mas eu me lembro que desde criança eu sou de uma família que é muito maluca: a minha mãe é professora de matemática e física e meu pai é artesão. Então em casa a gente tinha muitas coisas loucas, meu pai tinha uma oficina e minha mãe era professora, falava pra gente estudar muito e eu acabei gostando muito dessa ideia de usar as coisas da oficina do meu pai para criar meus próprios brinquedos ou para modificar os meus brinquedos.

Então, desde criança eu gostava de ser “maker”, sempre gostei de construir e interagir com essas coisas. Só que eu ganhei meu primeiro computador quando era muito criança, quando eu tinha 8, então com 8 ou 9 anos eu fui colocado na escolinha de informática para fazer curso de basic que era o que tinha na época. Então eu aprendi lá no meu Apple II e eu comecei a achar legal construir coisas usando código, então eu comecei a ser design porque eu era programador. Comecei sendo programador e sendo programador e querendo construir coisas, eu também tinha curiosidade de criar coisas que fossem mais coloridas do que o computador era. E o computador daquela época eram 16 cores e era muito chato ter 16 cores.

E eu fui estudar, descobrir como eu poderia fazer para misturar cores, ter mais cores. Aí tinham 256 cores para misturar, então eu usava esse negócio da matemática da minha mãe, usava essa coisa de artesanato do meu pai, usava o fato de que eu queria coisas coloridas e eu acabei ficando muito interessado no computador como sendo alguma coisa para fazer coisas coloridas. E eu fiquei anos e anos desde moleque, brincando com Photoshop quando inventaram, PhotoStyler na época antes do Photoshop e quando eu terminei o ensino médio, era minha decisão de vida ser professor, queria ser professor igual minha mãe.

Eu nem pensava em ser designer, mas eu visitei a casa de um amigo meu que o pai dele tinha uma agência de publicidade e propaganda aqui em Campinas e aí eu falei: “Nossa, você tem um computador com scanner e impressora colorida? Então é hoje que eu vou fazer alguma sacanagem, alguma montagem no Photoshop com seu filho!”, que era o meu amigo. Fiz e imprimi e joguei lá na mão dele e ele falou: “Você sabe mexer no Photoshop?” e eu falei: “Sei”. Era legal, era o Photoshop II, era mais fácil que o Photoshop de hoje que tem mil botões, então tinha quatro botões: baldinho, lacinho e varinha mágica; não tinha camada.

E aí o pessoal falou: “Vem fazer um estágio aí”, e eu fui fazer o estágio de design saindo do Ensino Médio e desde então eu fiquei. Eu vi meus amigos indo estudar programação mais profundamente, mas eu acabei gostando e achando mais legal o computador para fazer as coisas coloridas e brilhantes igual aquele inimigo do filme da Moana que fica cantando que gosta de coisas brilhantes e fica guardando coisas coloridas.

Como é chegar em uma nova empresa? Como é ser o líder dos designers que já estão lá?

Daniel – Isso é muito louco porque eu por muitos e muitos anos sempre me vi como uma pessoa empreendedora. Eu sou um empreendedor. Eu crio meu próprio mundo. Aprendi muito isso com meu pai e minha mãe que sempre foram empreendedores; hoje eles têm uma sapataria, então são empreendedores. Eu sempre tive esse lance de ser empreendedor, mas quando você é um empreendedor do design você comprova um modelo de design que é um modelo um pouco antiquado do design, que é o modelo de que você pode pegar alguém de fora da sua empresa e dar um tapa no seu produto e fazer seu produto ficar mais legal estando fora. E funciona isso, em alguns casos funciona mas é um modelo que é um pouco antiquado porque hoje em dia a gente fala muito da integração do design no produto.

E eu fiquei meio que carente de estar mais perto dos projetos do que só numa fase, e eu comecei a ficar pensando: “Eu acho que talvez eu tenha que trabalhar em outra ponta, eu tenho que trabalhar em uma ponta onde estou dentro da empresa e aí sim eu posso observar e estudar o produto como sendo parte do produto”. Então eu agora trabalho nessa empresa chamada Venturos que é uma empresa aqui em Campinas e que não é exatamente uma empresa, é um instituto de pesquisa. É uma empresa sem fins lucrativos que faz projetos de P&D para empresas globais, então a gente faz projetos de P&D para várias empresas de telefonia, scanner, ressonância, robôs e energia. É muito louco estar em uma empresa nova e principalmente quando você está em uma empresa que tem tantas verticais dentro da empresa, então parece que eu estou em um monte de empresas.

E isso reflete também no jeito que os designers são dentro da empresa porque os designers também são múltiplos designers de múltiplos tipos de projetos de múltiplas empresas. Então parece que na verdade eu tenho várias empresas, que eu fico tomando conta das empresas ali e tem sido muito divertido, a gente tem 30 designers e são agrupados; alguns estão trabalhando em projetos, alguns estão em empresas de Taiwan, outro com empresa americana, outra com empresa brasileira.

É bem divertido mas eu estou lá há 7 ou 8 meses e foi complicado no começo me encontrar, sendo que eu estava acostumado a acordar a hora que eu quero. Mentira, porque o empreendedor acorda na hora que ele não quer e vai dormir a hora que ele não quer, e agora é diferente, eu tenho outros horários, tenho outras responsabilidades, mas é muito legal.

Como você garante essa comunicação? Como flui quando um designer está no Brasil e outro nos Estados Unidos, outro no Japão? Eu não sei se essas pessoas são designers locais ou são todos brasileiros espalhados pelo mundo. Eu queria que você comentasse um pouco sobre isso.

Daniel – Primeiro, o design tem uma linguagem que hoje em dia é mais global. Você está lá em Belo Horizonte e fala: “Vou usar uma abordagem do design que é uma abordagem do Design Council. Você está usando o Double Diamond”. Então o Double Diamond acopla no mundo inteiro e acaba que as pessoas que são, de repente, no Japão, trabalham usando coisas muito similares ao que tem aqui, então a gente acaba usando o design como lugar comum da conversa e isso aí é uma coisa que é bacana.

Uma outra coisa é que realmente, cada cliente tem a sua característica, então quando a gente lida por exemplo, com stakeholders que estão no Japão você pode ter certeza que você vai ter que usar uma maneira de apresentar pra ele o seu trabalho de design, diferente do que apresentar para alguém que está em Belo Horizonte ou alguém que está nos Estados Unidos. Então se eu falo que preciso apresentar para uma pessoa em Taiwan, a pessoa de Taiwan tem uma exigência, ela envia coisas de um jeito e não necessariamente é melhor ou pior, não necessariamente é igual a outros lugares. Então o que a gente tem tentado fazer?

A gente tem tentado criar um conjunto mínimo de “entregável”, um conjunto mínimo de “discutíveis” de design para a gente poder discutir entre nós o que é que a gente está entregando e tentar criar que esse discutível seja meio comum para a empresa. Eu encaro como se fossem múltiplas empresas porque tem vários gerentes de projetos, vários times. Tem alguns times que fazem algum tipo de entrega, outros times fazem outro tipo de entrega e isso às vezes era meio ímpar porque aquela empresa exige que entregue desse jeito e aquela outra empresa exige que entregue de outro jeito.

Às vezes as coisas não batiam e não batiam por conta de comunicação, então a gente começou um processo que hoje em dia está entrando em modo piloto de fazer os designers comunicarem mais e a gente começou a criar reuniões de design mais permanentes, então a gente tem 3 encontros semanais com todos os designers para a gente conversar sobre spoilers do Locke, se o botão tinha que ter glassmorphism ou não, ou então: “Vocês viram o novo Figma?” “A gente usa Figma e vocês usam sketch”, porque cada caso é um caso, para mim, ter a comunicação e o design é a comunicação. Essas duas coisas casam bem.

Como você resolve os conflitos? Quando tem algum conflito, qual a sua filosofia de vida que te ajuda a resolver alguns conflitos que surgem entre comunicação com stakeholders ou no próprio alinhamento com as pessoas de design?

Daniel – Nessas situações super raras onde tem algum tipo de conflito, tenho uma postura diplomática. Eu sempre procurei ser diplomático. Eu entendo como diplomático alguém que tem que fazer o negócio acontecer, entre outras pessoas, às vezes eu estou junto, às vezes não, então eu quero que os negócios aconteçam.

Quando a gente está dentro de uma empresa e negócios acontecem é respeitar o prazo de um negócio que está acontecendo; entregar o que foi pedido é um negócio, entregar mais do que foi pedido é outro negócio, então eu tento ser diplomático e conversar com todo mundo. Eu penso nos passos que eu dei de diplomacia, então o primeiro passo que eu dei de diplomacia é: preciso entender quem são os designers que estão na equipe para entender quais são os conflitos que esses designers vivem.

Então o primeiro passo foi realmente conversar com todo mundo que tinha lá, sentar uma hora com cada pessoa e falar: “E aí, quem é você? O que está rolando?”. E as perguntas não eram iguais para todo mundo porque cada pessoa tem uma história de vida e a gente acaba falando sobre Pokémon com alguém e sobre Figma com outra pessoa, mas eu fiz uma pergunta igual para todo mundo que era: “Como você está se comunicando com outros designers?” e cada um falou: “A gente usa o Teams, a gente usa e-mail, a gente tinha um grupo de WhatsApp, a gente marca jogos no Discord”, e eu tentei entender: “Ok, como vocês se comunicam?” e a gente viu que a comunicação não tinha um canal padrão. Nem sei se tem que ter, mas acabou que não tinha canal padrão. Na minha primeira etapa dessa diplomacia foi entender como que todo mundo ali dentro se comunica para todo mundo poder xingar junto, falar bem junto; passei dois meses fazendo isso.

Depois veio a fase dois que era conversar com todos os gerentes de projeto, então tinha um monte de gerente de projeto, 30 gerentes de projeto para conversar com eles e falar: “Como vocês encaram o design? O que o design pode fazer por você? O que está acontecendo com o design?”. Me conta, fala mal, fala bem, mas me fala o que é pra depois poder entrar em contato e falar que tenho dois pontos de vista aqui.

Lógico que eu sempre estava acompanhado do meu diretor com quem eu me comunicava pra falar: “Está acontecendo isso e aquilo”, e ele sempre me falou o seguinte: “Eu te chamei aqui porque você entende mais do que eu entendo, então você tem que me dizer o que está acontecendo em termos de design”. Não é uma pessoa que é Analista de Sistemas que sabe o que está acontecendo com o design. Sempre nesses conflitos eu tento, diplomaticamente, ir lembrando daquele meme do Anakin com a princesa Padmé; você conversa com os stakeholders, você vê os dados – e ele fala de uma coisa chamada “negociações com o sabre de luz”. Então às vezes você tem que negociar com o sabre de luz.

Eu sou meio irredutível com algumas coisas, eu fico bravo quando alguém coloca design para escanteio, mas ao mesmo tempo, como eu sou muito piadista, a gente assumiu que o nome do nosso time, por exemplo, Jovens Pasteleiros e tudo bem. Nós somos os Jovens Pasteleiros, de vez em quando tem que fazer um pastelzinho. A gente chama de “Young Past Makers” porque nada é melhor que tirar sarro da situação. Eu brinco, mas eu brinco com o gerente de projetos ao mesmo tempo em que eu brinco com os designers, brinco com meu chefe, brinco com todo mundo. Quando eu fico bravo é sempre para defender os designers, aí eu não aguento. Acho que precisa ter diplomacia e a diplomacia começa com conhecer as partes.

Como foi essa transição? Como foi chegar e se deparar com 30 pessoas para gerenciar? Quais são os primeiros passos a fazer? O que você leva em consideração na hora de contratar um design?

Daniel – Esse passo de sair de uma zona de conforto em que eu estava há 20 anos não foi fácil, a negociação não foi fácil. Eu tive 3 crises no meio, de falar: “Eu vou! Eu não vou! Eu aceito! Eu não aceito”, “O que eu estou fazendo?”, “Como eu vou ter que participar de uma reunião que eu não quero?”, aí eu pensava: “Mas eu participo de várias reuniões que eu não quero, e quem disse que eu não posso participar das reuniões que eu não quero?”. Fiquei em um conflito, mas acho engraçado isso. Foi meio estranho, mas ao mesmo tempo, aos poucos você vai entendendo de ter que comprar uma licença do Mir pro designer mesmo o dólar estando alto, mas não era eu quem pagava, então isso aí também tem seu lado divertido.

Como tem muita gente, eu tive que conversar com todo mundo e acho que o primeiro passo é conhecer todo mundo, entender de onde as pessoas vieram, tem gente que está na empresa há 8 anos e tem gente que entrou depois de mim, então tem bastante gente. Essas pessoas que entraram depois de mim, algumas dessas pessoas foi eu quem selecionei, algumas dessas pessoas falaram comigo antes de entrar, algumas pessoas não porque como a empresa tem vários tipos de projetos, tem projetos que a aprovação do design vem de um gerente de projeto, então o gerente de projeto precisa de um designer e ele abrir uma vaga.

Hoje em dia não é mais assim. Hoje em dia a gente está invertendo isso, a gente contrata um designer e depois distribui. Eu meio que reparto esse grupo com o André que é um designer que gerencia, no mais próximo, 15 pessoas diretamente. Eu gerencio outras 15 pessoas diretamente e indiretamente eu gerencio as 15 pessoas dele, mais ou menos. Mas ele faz isso melhor do que eu porque ele está mais inserido do que eu, mas quando a gente vai trazer pra dentro a gente busca mais pessoas do que certificados. Eu penso muito nas pessoas.

Parece muito hipócrita, mas é real. Eu fiz até um teste que essas lideranças fazem pra saber que tipo de líder você é, e eu gosto muito desse lance de falar para as pessoas: “O que você gosta de fazer de legal?”. Eu levo em conta, primeiramente, quem são essas pessoas e gosto de entender quais são os caminhos que levaram até ela querer ser um designer. A gente tem pessoas no time que vieram da Química, era um químico antes de ser um designer e eu não vou me importar com qual faculdade de design ela fez, eu vou querer saber se ele já fez Design Atômico.

Normalmente nos nossos processos a gente entende que vamos abrir oportunidade para entrar mais gente no time que entenda que vai participar de uma empresa que é um instituto sem fins lucrativos de P&D e isso não é a mesma coisa que trabalhar numa agência, não é a mesma coisa que trabalhar num banco, é uma empresa de P&D e uma empresa de P&D tem um peso enorme porque a palavra é basicamente traduzida por tecnologia e tecnologia é basicamente traduzida por códigos. Em uma empresa de códigos as pessoas contratam essa empresa porque precisam de uma antena, uma antena nova, um braço robótico novo.

Então os designers têm que entender que a gente está numa empresa que é tecnológica, que a gente está brigando muito para que o design seja visto também como uma tecnologia e não outra coisa, porque ele é visto como outra coisa nessas circunstâncias.

O que um designer tem que ter? Que dica você daria para quem está começando agora? Quais são as características que você busca em um designer?

Daniel – Primeiramente a pessoa tem que gostar de design. E é importante esse lance do gostar de design porque a gente está passando por um conflito de pessoas que gostam do dinheiro. Acho muito justo que você queira ganhar mais, mas eu acho que em primeiro lugar é legal a pessoa gostar de design. Estou falando isso, mas podem me chamar de babaca também porque tem gente que vai falar: “Mas você faz questão que alguém goste mais de design tanto quanto você?”. Isso eu não faço questão, eu sou designer há 25 anos. Eu espero que a pessoa goste de design e depois eu quero que a pessoa entenda o que é o design que ela gosta porque é muito difícil a pessoa entender o que é o design. Às vezes a pessoa vem da Química e é júnior e entende o que é design, mais do que alguém que é designer há 20 anos. Qual o meu modelo de entendimento do que é designer?

Eu preciso ser curioso em relação ao problema, eu preciso ser organizado com relação ao que eu vejo, preciso ser proativo em relação a fazer as coisas, preciso ser investigativo, preciso querer ver as coisas funcionando. Quando eu vou avaliar portfólio, por exemplo, eu escuto todos os dias as pessoas falando: “O que interessa do seu portfólio é só o conteúdo”. Eu acho que isso vale para muita coisa, mas para o designer talvez não valha 100% porque a gente está falando de design e design é função. Eu gosto de portfólio em que a pessoa dá uma caprichada porque já aconteceu de a gente ter vaga de estágio, mas a pessoa poderia ser júnior, a pessoa é melhor do que acha que é.

Já aconteceu também de eu falar que a pessoa é melhor que a minha vaga e eu não ia contratar por ser melhor que a vaga. A gente tem que encarar isso porque se a pessoa gosta de design eu pergunto porque ela gosta de design porque já presumo que ela goste; a pessoa que gosta vai bater na tecla do design dentro da empresa. A pessoa gosta daquilo então ela vai ter esse entusiasmo. Sei que é meio abstrato às vezes, mas quem é de verdade sabe quem é de verdade.

Você viu algum erro ou alguma sequência de erros que a pessoa foi cometendo e você disse: “Nossa, isso poderia ser facilmente evitado?”.

Daniel – O erro número um dos designers que estão no começo é pular para um layout. Se você falar, antes de mais nada que vai sair fazendo ícones – às vezes nem parou para ver o que estava fazendo, nem um dia, um dia é bem pouco para pensar em um problema de design. Para um dia para pensar no que é, organiza as coisas, vê o que é e depois você começa a fazer.

Isso acaba sendo um erro caríssimo para uma empresa porque o designer que pula direto para um protótipo de alta fidelidade sem ter estressado um pouco a conversa, você cria um lastro para o projeto porque agora o projeto tem um patamar de andar na alta fidelidade, e andar na alta fidelidade é caro e você vai ter que andar daqui pra frente em alta fidelidade porque a partir do momento em que você mostra isso pra quem não é exatamente da área, mostra isso para um cliente, o cliente absorve aquilo.

Agora, se você mostrar um papel rabiscado para a pessoa, ela vai achar que você é relaxado. Se você mostrar isso no começo, vai ter que ficar mostrando isso até o final e é super caro. As pessoas tinham que aprender muito mais a desenhar um monte de quadradinhos, puxar a seta de um quadradinho para o outro e escrever “isso é mais ou menos tal coisa”.

Para mim esse é o maior defeito, pular para o Dribbble antes de abrir o notepad. Eu uso o notepad para tudo, eu fico com o notepad aberto no meu computador digitando as coisas das reuniões, digitando a cara das pessoas, escrevendo mini histórias e depois eu vou pensar se aquilo vai ou não merecer virar um botão. Tem gente que vai achar isso como visão sistêmica, mas eu não espero que alguém jovem tenha uma visão sistêmica muito grande, mas eu preciso que entendam que eu preciso ter uma visão sistêmica.

Queria que você comentasse um pouco sobre essas características de qual você linkaria a principal, na sua visão, para um designer que está começando? O que ele deveria estudar agora?

Daniel – Agora ele deveria estudar um punhado de métodos de design para ele ter uma visão. Ele deveria estudar o que é um Duplo Diamante. O que é um Duplo Diamante? Ele deveria estudar para que aquilo faça sentido e não para que ele possa repostar no Instagram, deveria estudar para aprender e não estudar por estudar. Métodos de design são muito importantes. Como esse método vai ser compatível com outro método de desenvolvimento?

Eu acho muito importante as pessoas estudarem métodos. O mais legal no ponto de vista de quem é de fora do design é achar demais o que ela fez no Photoshop. Isso é muito legal e eu não vou mentir que foi porque eu mexi no Photoshop que eu consegui o meu primeiro emprego, não foi porque eu tinha um método de design. Eu fui aprender métodos de design para poder trabalhar com isso durante 20 anos. Se eu não tivesse método de design eu teria largado essa profissão há muito tempo.

Eu gosto muito de livros, então as pessoas deveriam, no começo das carreiras, ler alguns livros inspiracionais. Acho importante ler livros inspiracionais, Design de Produtos por exemplo, alguma coisa assim. Quando você lê livros inspiracionais você volta a gostar mais de design porque você lê um livro falando “Como a Motorola revolucionou o mundo com um celular de flip” e eu acho legal você estar inspirado. Quando você está inspirado, está disposto a ler aquele artigo chato; vai ter um artigo chato que você vai ter que ler, você vai ter que ler um artigo em inglês sobre a diferença de significantes e a fordas, e não vai ser super legal de ler, vai ser chato, mas se você estiver inspirado você fala: “É para um bem maior fazer isso”.

A primeira coisa, no começo, é se inspirar. Não queira no primeiro dia falar: “Estou no primeiro dia, vou estudar tudo sobre criar um sistema de design robusto”. No primeiro dia isso é tão chatinho, por que não estudar alguma coisa mais maneirinha? Cores. Porque o Mondreau usava três cores. Que coisa legal para você estudar, diferente. Por que o Lego usa as mesmas cores das coisas do Mondreau? Primitivismo é muito da hora. Eu sou meio idiota nessas coisas, gosto de ver as pessoas inspiradas para fazer os negócios funcionarem.

Qual a diferença entre ser rápido e ser ágil?

Daniel – Ágil não é necessariamente você se movimentar para um lado só. A pessoa ágil é aquela que sabe se esquivar das coisas que acontecem, eu acho que é a pessoa que sabe dar um passo tipo Neil. Você ser rápido às vezes é também abrir mão de pensar um pouquinho a mais. Eu não me considero rápido, eu falo rápido, mas eu sou muito lerdo para fazer. Eu queria fazer as coisas em um décimo da velocidade com que eu falo porque eu tenho preguiça às vezes, mas eu me considero ágil.

Se você começa a falar de uma coisa e mudar eu também mudo, e eu não ligo de mudar. Isso tem a ver com uma característica dos designers no começo tem, que é achar que é perpétuo. E não é perpétuo. Vão jogar fora. Não tem nada que não vão jogar fora no mundo, tudo vai ser jogado fora. O espremedor de laranja do Philippe Starck que eu tenho aqui, tenho certeza que vão jogar fora.

Um dia vão jogar fora. Vão jogar fora e está tudo certo, porque eu acho que você tem que entender isso e falar que eu posso andar devagar e ser ágil, eu posso passar um tempo a mais pensando em estratégia ao invés de codificar e eu continuo sendo ágil, sendo rápido realmente, mas respondendo à mudança.

Que pergunta a gente deveria ter feito e que nós não fizemos para você, e que você gostaria que tivéssemos feito?

Daniel – Eu acho que o que me inspira. Eu gosto muito dessa questão de inspiração.

O que te inspira?

Daniel – Me inspira um monte de pessoas. Parece ser brega, eu sei, já fui acusado de ser brega, mas acho que as pessoas me inspiram. Eu não estou nem aí para o Macbook, eu nem tenho um Macbook, eu nem gosto de Macbook. Eu gosto de gente e não estou nem aí para essas coisas. Eu já fiquei tanto tempo na frente de um computador, e agora que se lasque. Eu não ligo pra isso. Eu gosto das pessoas. E eu acho que a gente tem um monte de produtos digitais e esses produtos digitais, ou não, estão lá e as pessoas esbarram neles, as pessoas jogam eles na praia, a tartaruga come. Você tem que pensar nas pessoas que estão ali vivendo aquilo.

Elas têm tempo para o seu produto? Elas não têm tempo para o seu produto? Elas realmente ligam para o seu produto? Essa situação toda de trabalho remoto me suga um pouco porque a coisa que eu mais gosto é ficar falando com as pessoas, e o ambiente que a gente fala com as pessoas agora não é um ambiente natural e ele me cansa, se depender de mim eu fico 8 horas fazendo reunião com as pessoas, às vezes com 15 pessoas ao mesmo tempo. Eu gosto de fazer isso, mas eu sei que me cansa porque eu quero ter o contato com as pessoas.

Quase não saio de casa, virei um ermitão dentro de casa, então é muito raro eu ver uma pessoa diferente da Flávia ou uma pessoa diferente dos meus cachorros. Aí, às vezes, me sinto desinspirado nesse sentido porque me falta aquele monte de gente – e nem falo de eventos tipo a UX Conf – Eu falo de encontrar a pessoa comendo um pão de queijo e olhar a pessoa colocando açúcar no pão de queijo. Eu adoro isso, eu acho isso muito divertido. Adoro.

Gostaria que você pudesse compartilhar um pouco dos livros que você está lendo, se você poderia falar sobre um agora, dar um spoiler. Dizer também que a gente vai deixar nos comentários alguns vídeos, livros e referências que o Daniel tem pra compartilhar com a gente.

Daniel – Eu gosto de livros inspiracionais para me manter inspirado, e eu gosto de ler livros que tenham alguma técnica interessante. Eu li um livro esses dias que foi até recomendação do Rafael Burity chamado “How Designer Makes the World” (Como o Designer Constrói o Mundo) do autor chamado Scott Berkun. É um livro inspiracional muito bom.

Quando a gente pensa em design, a gente pensa às vezes em um app ou na Apple, e o livro já começa puxando “Por que metade de Notre Dame pegou fogo?” Qual foi o erro de design para que tivesse pegado fogo? Porque foi um erro de design que foi o alarme que tocou, tinha um aviso visual do alarme e era um código em que a pessoa que estava lá não entendeu. É uma total falha de design? Eu me lembro que quando vi Notre Dame pegando fogo na TV eu chorei porque joguei muito Assassin’s Creed então já subi muitas vezes naquela igreja. Poderia ter sido evitado se alguém comunicasse melhor um erro do alarme? Muito inspiracional. Aprendi alguma coisa nova fora esse negócio de Notre Dame? Acho que não.

Mas tinha tanta história boa que eu achei muito legal. Eu amei ler um livro esses dias chamado “Atravessando Abismos” do autor Geoffrey Moore que é sobre construção de produtos, curva de adesão de produtos. Que livro maravilhoso. Eu sei que é um livro velho, sei que você que trabalha com produtos e está ouvindo esse podcast já leu. Achei muito legal, divertidíssimo. Fiz tanta conexão na minha cabeça com aquele livro, então era um livro técnico dizendo: “Como que você comunica a venda para a pessoa que estão nessa posição numa curva?”

Legal, me comunico assim. E você começa a entender muita coisa do julgamento que a gente faz como designer de todos os produtos que estão à nossa volta. A gente faz esse julgamento porque a gente é um começo de curva e não um meio de curva. Foi um tapa na minha cara, esfregou minha cara no asfalto. São duas dicas peculiares. E tem um chamado “Design de Produto” de um cara chamado Josias Oliveira. É um livro muito legal, vale muito a pena.

Esse aí é massa. Você pode acessar www.productledgrowth.com.br.

Agradecemos muito sua ilustre presença, Daniel. Muito legal conversar contigo, foi muito divertido e espero que tenha sido inspiracional para as pessoas que estão escutando e para as pessoas que estão lendo também.

Agradece e encerra