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TEMPORADA 3 - EPISÓDIO 1

Carolina Leslie

Temporada 3 Episódio 1 – Carolina Leslie
PROJETO: Desenhando Produtos

Carolina é digital expert na McKinsey & Company. Formada em Ciências Moleculares, empreendedora e veterana no mercado de UX. É apaixonada por interseções entre áreas de conhecimento, como matemática, design, tecnologia, psicologia e negócios. Nos últimos 6 anos realizou o Panorama UX, uma pesquisa anual sobre o mercado de design digital no Brasil.

Fora do trabalho você pode encontrá-la correndo, cozinhando (vai um fermento natural aí?) ou estudando visualização de dados.

 
Está começando mais um Desenhando Produtos e Construindo Histórias. Eu sou o Josias Oliveira.

Eu sou o Leonardo Salvador.

E hoje eu não tenho nem palavras para apresentar, ela que é… meu Deus, ela é cientista molecular, ela é UX designer e ela revoluciona as empresas por onde ela passa. Além disso, ela dá um banho de pesquisa no Brasil inteiro: Carolina Leslie.

Carolina – Olá, boa noite.

Como de praxe, a gente gostaria de deixar aqui o canal aberto para você contar a sua história. A gente quer muito ouvi-la. E a gente vai conversando no meio do caminho.

Carolina – Eu tenho uma história um pouco diferente, um pouco particular em relação ao que a gente costuma ver no mercado de UX design digital. Eu tenho essa formação que o Josias adiantou, sou cientista molecular, fiz um curso na USP, na época era novo, hoje em dia já tem os seus 30 anos, eu fui da décima turma, que era um curso para formar jovens cientistas, então você não entrava, não tinha vestibular para ele, eu entrei na física, veja bem, e eu recebi uma cartinha que convidava algumas pessoas que tinham ido bem no vestibular para conhecer esse curso. Ele era um básico de física, química, matemática, biologia e computação. Ele tinha algumas características muito diferentes. Então a gente tinha uma turma que era bem pequena, a gente tinha aula, não era vinculada a nenhum instituto da USP. Depois de 2 anos de básico, eu fiz um projeto de pesquisa e eu tive prioridade de matrícula na disciplina que eu quisesse na USP toda, o que era uma coisa muito legal. E como eu não sabia direito o que eu queria fazer, e quando eu entrei na física eu descobri que, na verdade, eu não gostava de física, mas eu gostava de matemática, eu achei que poderia ser algo divertido me enfiar, entrar nas ciências moleculares. Infelizmente, isso é muito interessante, eu me arrependo até hoje de não saber programar, porque eu poderia ter me dedicado um pouco mais, aprendido isso naquela época. Mas eu arranho alguma coisa. E quando eu estava para fazer essa segunda parte, que se chama o avançado, nos últimos anos, eu tinha que fazer um projeto de pesquisa, e eu resolvi estudar os aspectos matemático da obra do Escher, que é um artista holandês que tem questões muito matemáticas, da divisão do plano, e ele brinca muito com ilusões de ótica. Para isso, eu usei esse tema como desculpa para fazer matérias na escola de comunicação, na escola de arquitetura. Na escola de comunicação, um dia eu estava na biblioteca e eu encontrei um livrinho muito famoso que a gente conhece atualmente, que é o tal do livro escolar de arquitetura de informação para a internet, na segunda edição na época. Eu peguei esse livro e falei: “Nossa, que coisa interessante. Gostei disso”. Na época eu estava estudando matemática, se eu seguisse naquilo, eu acho que eu ia ser capaz de conversar com umas 5 ou 6 pessoas, no mínimo. Então eu falei: “Acho que eu não quero seguir carreira acadêmica, eu quero fazer outra coisa. Esse negócio de internet tem futuro”. Quando eu vi essa disciplina na época, chamada arquitetura de informação, eu até gosto bastante desse nome até hoje, eu falei: “Nossa, isso faz sentido para mim”, porque tem essa questão de você comunicar um pouco os lados, entender um pouco o que está por trás da programação, não é você que vai fazer aquilo, entender um pouco do que se trata o layout, isso não é exatamente a sua responsabilidade, e fazer com que as coisas se organizem no meio digital. Eu fiquei encantada pelo tema, comecei a estudar bastante, entrei numas listas de discussão na época, hoje em dia existem grupos no WhatsApp, mas na época era lista de discussão, e acabei encontrando um emprego de estágio na agência Click. Eu lembro que eu fui lá nas entrevistas para um programa de estágio, eu fui entrevistada por duas chefes incríveis que eu tive, que era a Juliana e a Luiza, as duas acharam engraçadíssima essa minha formação, ela falou: “Nossa, uma cientista molecular a gente quer para o nosso time”, e foi assim que eu acabei entrando no mercado. Eu acho que a minha formação me ajudou muito, numa ideia de ter um raciocínio lógico, de entender um pouco como as coisas funcionam, de não ter medo de chegar e trocar, em tentar mais a tecnologia. Mas eu também aprendi várias outras coisas que eu nunca mais usei na minha vida.

Mas como você chegou até o design? Você disse assim: “Tá, beleza. Olhei o livro”, mas e aí?

Carolina – Aí eu comecei a estudar bastante. O primeiro tema que eu estudei foi a arquitetura de informação, que é a vertente que vem da biblioteconomia, e que era uma coisa que era muito forte naquela época, que se estava precisando organizar os conteúdos dentro de uma página digital. Tanto é, que depois as minhas sócias foram ser jornalistas, que também faz muito sentido, é um jeito muito natural de você estar lá produzindo conteúdo e, de repente: “Ah, eu preciso me organizar”. Quando eu entrei na agência Click, a gente fazia… fazia cultura de informação, você tem que pensar no mapa do site, depois de pensar no mapa do site, você tem que fazer, já era body frame, fazia o body frame, que à época fazia em (inaudível). E aí, a gente faz assim, a gente tem esse template, a gente vai pensando aonde você quer botar o que, e tal. Comecei a prototipar em PowerPoint, naquela época eu era ninja de PowerPoint, eu preciso retomar isso hoje em dia na minha vida. Fazia altos protótipos, e comecei a estudar por conta, comecei a ler um monte de coisas, entrar em um monte de grupo e entender, eu sempre gostei, tinha uma questão de apelos visuais, mas eu sempre foquei muito mais no porquê eu estou fazendo isso, como que a pessoa vai raciocinar quando ela ver isso. É muito mais no lado das coisas serem usáveis e fáceis de se entender, e eu nunca fiz ela. Então, é até engraçado, porque depois o termo design se expandiu tanto que, eu nunca fui visual, de fato, então mexer no Sketch, mexer no Figma, vamos lá, mas não é o que… no início da Saiba Mais a gente só prototipava, a gente está pensando aqui a lógica, que alguém precisa pensar sobre isso, naquela época ninguém pensava. Depois eu comecei a ver que não faz sentido dissociar uma coisa da outra, de fato você tem que pensar na estrutura, mas não adianta só entregar a estrutura sem a etapa final de layout, uma coisa conversa muito com a outra. Depois, até diante disso também, você precisava entregar a programação disso, o que é algo que é muito legal dos times internos hoje, que você tem essa troca muito mais constante do que a gente tinha olhando de fora.

Como é a sua experiência? A sua formação te ajudou nesse começo? Você falou que foi muito raciocínio lógico. Além disso, tem mais alguma coisa que você utilizou lá da sua faculdade?

Carolina – Como eu podia escolher as minhas matérias, nos últimos anos eu fiz umas matérias que já tinha alguma conversa com o digital. Então eu fiz algumas coisas na editoração, no jornalismo, que conversava muito com a produção de produtos digitais, mas na época se falava de CD-ROM, falava de flash, aquelas coisas, enfim. O substrato mudou muito, a forma como a gente entrega. Mas a lógica de você ter que organizar para o digital, que não é concreto. O que você faz com isso? Você se perde no início do labirinto, acho que essa mesma forma de pensar estava lá.

Depois disso, você tem uma passagem pela Tray, não é? E aí já muda um pouco o seu foco, você entrou como arquiteta de informação na agência Click. Eu queria que você comentasse um pouco como que foi essa troca. Como foi essa escalada para você virar coordenadora?

Carolina – Eu entrei na agência Click, depois de um ano eu saí e fui para a globo.com. Eu trabalhei na globo.com na época que o G1 foi lançado, e o Cartola também. É bem engraçado, os primórdios da internet, tinha um pessoal muito bom lá, muito legal, foi uma época super bacana, mas eu tive que me mudar para o Rio, por questões pessoais, acabei voltando para São Paulo, e aí, eu voltei para a agência Click. Eu trabalhei lá em dois momentos diferentes. Nessas experiências eu sentia muita falta de ter mais contato com pesquisa. Depois que eu saí da agência Click, na verdade, eu ainda passei por mais um lugar que era as páginas amarelas, que eu estava falando para vocês, eu trabalhei no Via Mais. Então foi o meu último momento como cliente ali. E nesse momento todo, acho que muito pouca gente trabalhava com isso, eu sempre sentia falta de: “Tá bom, eu acho que isso aqui vai funcionar, mas como que eu sei que isso vai funcionar? Como eu provo que isso vai funcionar? A gente precisa mostrar isso para as pessoas. A gente precisa testar”. Era uma coisa que me incomodava muito, desenhar sem conseguir validar isso com o usuário, porque a gente não sabe como as pessoas pensam e, na verdade, a gente tem umas surpresas que a gente fala: “Nossa, não acredito que isso funcionou desse jeito”. E eu acabei conversando com a Cida na época, ela que me achou. Eu já era muito envolvida com a comunidade, então em 2007 eu organizei a minha primeira conferência, que se chamava EBAI (Encontro brasileiro de arquitetura de informação), eu realizava também arquitetura de informação. E acabava que isso me conectava com muita gente da área, eu gostava muito de conversar, eu achava sempre importante ter isso. Eu tinha ido em alguns congressos fora do país, eu falei: “Gente, a gente precisa criar alguma coisa, tem tanta gente trabalhando com isso”, e aí, a Cida me procurou, a gente conversou e ela falou: “Estou precisando de alguém aqui para organizar a casa”, eu falei: “Ah, interessante. Vamos lá”, eu sempre quis trabalhar com pesquisa, eu achei ótimo. E eu fui para lá, foi o meu primeiro cargo mais para ter uma equipe. Primeiro eu trabalhava em equipes que eram grandes, relativamente maduras para a época, tanto no globo.com, quanto no EPIC. Aí eu fui para a empresa ser a única na época, arquiteta de informação, e hoje a gente chamaria de UX, mas eu era a única pessoa que trabalhava com aquilo, então eu tinha uma responsabilidade que era diferente, eu era sozinha ali, mas eu não tinha um time que trabalhasse comigo, eu tinha outros designers visuais, eu tinha pessoas de programação, mas não tinha pessoas que eu cuidava, e lá foi a primeira vez que eu passei a tomar conta de uma equipe. Foi bem sofrido no início, porque eu cheguei lá e tinha uma pessoa que hoje em dia ele é super meu amigo, porém, na época que eu achava que ele deveria ter sido promovido e não ter trazido alguém de fora para ocupar aquele espaço. Ele fez da minha vida um inferno, não é fácil quando isso acontece, até que eventualmente ele foi embora. Ele estava muito insatisfeito com aquilo, achava o plano uma injustiça, mas a culpa não era minha. É difícil lidar com esse tipo de situação. Às vezes, você é a pessoa que está na situação e acha que é injusto. Eu vivi isso desse outro lado. Mas lá foi intenso, foram acho que 3 anos bem intensos. No final eu estava cansada, não estava feliz, eu não estava gostando, e saí de lá meio que, “não sei o que eu vou fazer, eu gosto muito disso que eu faço, mas não dá, cansei, preciso de um tempo, vou sair, vou para casa”. E fiquei um mês em casa e as pessoas começaram a mandar e-mail: “Não quer fazer isso? Você conhece alguém para fazer isso”? Porque eu já tinha uns contatos, aí eu comecei a pegar um freela aqui, um freela ali, quando fui ver um mês depois eu falei: “Não estou dando conta, preciso de alguém para me ajudar”, aí eu contratei o meu primeiro funcionário e a coisa foi vindo, uns meses depois liguei para a Ana Coli, “preciso de alguém”. A gente tinha trabalhado junto. Veio, vamos aqui, junta aqui que a gente tem um negócio, aqui a gente pode fazer alguma coisa legal. Um pouco tempo depois veio a Lenara também.

Bacana, a gente conversou com a Ana. E também a gente tem essa mesma perspectiva dela falando sobre você.

Carolina – Eu sou empreendedora por acaso, porque realmente, o meu marido briga comigo, fala: “Não fala isso”. Não foi assim, foi uma coisa um pouco… eu brinco que quando eu era adolescente eu sonhava em ter uma banda de rock, e não em ter uma empresa. De repente, hoje em dia todo mundo quer ter a sua startup, quer ter a sua ideia assim, mas não foi um plano, não foi uma coisa para a qual eu me preparei, tanto que eu tive que aprender essas coisas na marra. Os primeiros anos estavam mais fáceis, porque tinha um volume grande de trabalho, a gente trabalhava muito, a gente botava a mão na massa, mas conforme a gente foi crescendo, tendo mais equipe, a gente teve que ter um controle financeiro, entender o que estava acontecendo, o que valia a pena vender, o que não vale, com quem eu falo? Divulgar o trabalho e aprender a fazer várias coisas, e não tinha aquilo preparado para tal.

E chegaram a ter quantas pessoas na equipe?

Carolina – Se não me engano, foram 24, logo nessa ordem de grandeza. A gente teve uma época que teve bastante gente, aí a gente tinha altos e baixos, aquela coisa de ter um negócio pequeno, que consultoria é aquela montanha-russa, porque um dia você não tem projeto e está muito desesperado porque tem aquela equipe toda, o salário de todo mundo vai bater no final do mês, de repente, fecha tudo e você não tem quem faça, você fala: “Meu Deus, eu não vou conseguir entregar, a qualidade vai ficar ruim, como que a gente faz”? Então era um eterno equilíbrio de pratinhos de “onde eu vou investir agora? Agora eu preciso vender mais” e como a gente se dá com isso? Depois disso, lá na Via Mais, em algum momento eu falei: “Nossa, mas eu não sei cuidar de uma empresa, eu preciso ir atrás desse conhecimento”. Eu me inscrevi num curso chamado 10.000 Mulheres, da FGV, do Goldman Sachs. O Goldman Sachs patrocina esse curso, que é para formar mulheres empreendedoras. Ele pega, são turmas de 50 mulheres, todas que já tenham algum negócio e ele dá um básico de administração para pessoas que já estão liderando esses negócios. E foi muito interessante. Foi, mais ou menos, 1 ano de curso, eram aos sábados a cada 15 dias, sexta e sábado a cada 15 dias. Foi legal, porque eu comecei a aprender várias coisas que eu nunca tinha pensado antes. Um destaque foi fazer o controle financeiro por competência, depois eu fiquei toda orgulhosa com as planilhas, finalmente eu consegui metrificar o que eu conhecia. Como é que você faz uma estratégia de vendas? Como é que você pode lidar um pouco melhor com o pessoal? Então, várias dessas coisas que podem parecer básicas, para mim foi super enriquecedor. Era muito legal, porque eu estava numa turma com 49 outras mulheres, cada uma com um negócio mais diferente do que o outro. Quase ninguém entendia o que eu fazia. “O que você faz mesmo? UX digital? O que é isso”? As pessoas tinham negócios muito complexos. Tinha uma que tinha uma empresa que cava poço artesiano, tinha outra que tinha um SPA, tinha outra que tinha uma editora de livros. Enfim, coisas um pouco mais tangíveis. E era muito legal trocar experiências. E foi nesse curso que surgiu uma ideia de fazer o panorama UX, porque eu estava lá e me perguntava muito: “Mas qual é o tamanho do seu mercado? Quem você pode atingir no seu mercado? Com quem você fala”? Eu não sei. Aí fui começar a procurar informação na internet, não tinha, não acharam esses dados de maneira aberta em nenhum lugar. Eu falei: “Bem, me parece ter uma oportunidade aí, acho que dá para a gente produzir esses dados”, aí que eu tive a ideia de fazer a primeira edição do panorama UX.

Foi em que ano isso?

Carolina – Foi em 2015.

E tem saído uma vez por ano? Vocês conseguem produzir o material uma vez por ano?

Carolina – Aí tem essa cadência de uma vez por ano, para manter esse histórico, que é muito legal. Dá muito trabalho, mas… O que foi bacana é que eu consegui usar esse projeto para continuar aprendendo coisas todos os anos. Então eu fui me interessando muito com visualização de dados, a partir do panorama UX. A primeira edição que eu fiz, todos os gráficos são feitos no Excel, acho que na segunda também, eu fazia aquela análise que dava, no máximo, uma tabela que já estava, aquela limitação. Aí eu comecei: “Acho que dá para fazer alguma coisa mais interessante”, aí eu comecei a aprender R para conseguir analisar aquilo com o método um pouco mais robusto, ter umas visualizações diferentes. Cada ano eu penso em um tema um pouco diferente, dá uma mudança de ângulos, para também ter alguma novidade, não ficar vendo sempre a mesma coisa, mas trazer um histórico de informações. É muito divertido.

Carol, depois, com toda essa bagagem, toda essa visão que você tem, desde 2015 até 2020 muitas pessoas respondendo a pesquisa. Eu queria saber como você enxerga o mercado de UX no Brasil?

Carolina – Acho que a principal questão que eu vejo, principalmente do ano passado para cá, é que a gente teve oportunidades, a gente está em franco crescimento. Muito diferentemente do que está acontecendo em quase qualquer outro aspecto da economia, a gente está com muita oferta de vaga, equipes enormes crescendo, busca muito grande por profissionais, mas a gente está com um dilema muito grande, que é: A gente não tem mão de obra capacitada. Se de um lado a gente tem uma área que vai precisar cada vez mais de gente, as empresas querem, ela tem que crescer muito rápido, então está quase todo mundo operando no modelo de squads, então eu preciso de um UX designer em cada squad que eu tenho. Logo se eu vou ter 50 squads, eu preciso de 50 UXs. Se você trabalha no squad, você trabalha de maneira muito independente do resto, você não fica ali aprendendo com a pessoa do lado, e não tem tempo para treinar, o que gera uma competição por talento que é muito complicada, é muito delicado, tanto para um lado, quanto para o outro, porque as pessoas acabam querendo ser promovidas muito rápido, se sentindo com uma senioridade muito grande, tendo pouca bagagem e aí, às vezes, você tecnicamente é muito bom, mas vai além disso, vai de como você consegue defender as suas ideias, de como você consegue se colocar numa reunião com outras pessoas que pensam de outro jeito e tem outras necessidades, outras agendas ali querendo passar por você. Então, de uma sensibilidade e de uma vivência, também de mais técnica, de mais metodologias, de só não ficar dentro da mesma coisa. Então é muito delicado, tanto para as pessoas… aí você começa: “Puts, está todo mundo ganhando mais, será que eu vou mudar? Não vou mudar”? E define isso com o seu líder no tempo, e aí, a empresa tem uma briga ferrenha, como é que eu vou achar essas pessoas? Eu acho que as empresas precisam se preocupar mais em ter programas de informação, até porque, isso também gera uma relação da pessoa com o empregador que é muito legal. Se você sente que você está crescendo, que você está aprendendo, é um fator que te ajuda a ficar aonde você está. Mas se você acha que você está ali só para cumprir tabela, é muito difícil você reter mesmo todo mundo.

Você acha que a pandemia intensificou, de alguma forma, a procura por esses talentos? Ou mudou o panorama do mercado?

Carolina – Sim. Eu acho que, bem ou mal, o mercado digital foi um dos poucos que cresceram com a pandemia. Ficou todo mundo em casa, de repente, todo mundo passou a pedir um pouco de tudo, e-commerce, aplicativos de delivery. A nossa mediação ficou cada vez mais digital, mesmo agora com a volta fisicamente dos restaurantes, você está vendo o cardápio via QR-code. As interfaces acabaram, nessa questão de a gente não ter contato, a gente tem mais contato com interfaces digitais, a gente precisa e as empresas, de fato, estão percebendo que isso é essencial. Você não consegue ter sucesso se você não faz direito os seus produtos digitais. Então, eu acho que a defesa, do ponto de vista de negócios, de que é necessário ter investimento em design, está clara. Que era um problema que a gente tinha há uns 3 anos atrás. Dito isso, tudo bem, eu sei que eu preciso investir nisso, eu sei que isso é importante, está claro, mas e aí? Como que eu faço? De onde eu começo? Quem eu chamo? Qual é o motivo das pessoas? Como eu estruturo a minha equipe para que ela, de fato, tenha uma entrega boa? Acho que a gente está um pouco nesse momento, tem empresas que são mais estruturadas, que já estão nisso há mais tempo, tem outras que estão engatinhando bastante ainda. E é um risco para todo mundo, quando você começa a investir muito e não vê resultado, é complicado, porque aí a área inteira fica um pouco desacreditada. Isso é uma coisa que a gente tem que olhar com bastante cuidado.

Eu vou puxar uma questão em relação a aquilo que a gente estava falando ali sobre o processo de formação. Eu estou montando um time aqui, eu estou contratando gente, contratando pessoas, eu tenho mais pessoas na minha equipe e não tenho tempo de ensinar. Novos designers ou pessoas que começam a migrar para a área perguntam assim: “Será que eu tenho que saber programar”? Ficam preocupadas com essa questão. Na sua visão, as pessoas precisam saber liderar? E como elas estão nesse quesito?

Carolina – Eu já estava me preparando para responder se a pessoa precisa saber programar. Estava ótimo, era tão fácil essa pergunta. Tipo, não. As pessoas precisam saber liderar? É uma pergunta complexa. Assim, um outro capítulo da minha formação foi que eu fiz um MBA numa escola chamada Berlin School of Creative Leadership, foi uma experiência maravilhosa. O tema é justamente liderança criativa. É até um nome curioso para uma leitura bivalente, de você liderar de forma criativa ou você liderar times criativos. Acho que esse é um termo que a gente precisa tomar um pouco de cuidado, porque todo mundo agora quer ser líder, mas eu acho que liderar é muito além, saber liderar começa de você saber se posicionar no mundo, você saber o que você quer, qual é o papel que você ocupa, o que você está fazendo nessa organização, por que você está aqui. E nesse sentido, eu acho que sim. Eu acho que todo mundo precisa ter um grau, o maior possível, de autoconhecimento, de entendimento dos papeis que ele está desenvolvendo no determinado contexto, para se sair bem, até para ser feliz. Para além de performance, eu acho que para a satisfação pessoal, é importante a gente saber ao que a gente veio, e até onde eu posso chegar, até aonde eu quero chegar, também para evitar X situações. Então, nesse sentido, eu acho que existem características de liderança que são importantes e relevantes para todo mundo a todo momento, essa coisa de auto liderança. Agora, se eu preciso conseguir gerir uma equipe, acho que isso vai muito do que as pessoas gostam de fazer ou não, porque existe esse fetiche de “eu preciso ter uma equipe grande, eu quero ter os meus liderados”. Eu já vi várias vezes na minha vida a gente promover pessoas que eram excelentes técnicos para um cargo de gestão, e as pessoas ficarem desesperadas. Quem estava abaixo odiava, porque a pessoa não tinha tempo, não conseguia se dedicar, não gostava, e a pessoa sofria muito porque não era o que ela queria da vida. Então, eu acho que ter um espaço para a pessoa poder também ser técnica, e ser muito boa no que ela faz, sem ter responsabilidade de cuidar dos outros, é essencial. É respeitar o que é melhor de cada um. Tem gente que consegue ter um impacto muito maior ajudando os outros a fazerem o que é importante e o que é relevante, tem gente que consegue esse impacto pondo a mão na massa e fazendo, e que você começa a ganhar velocidade, saber fazer isso de um jeito muito bom. E eu acho que as empresas também precisam ter um espaço para esse tipo de crescimento, não só para o crescimento a partir de mais gente na minha equipe.

E hoje você ainda precisa colocar a mão na massa?

Carolina – Depende do que você chama de mão na massa.

Você ainda tem que desenhar o airframe no PowerPoint? Não, agora eu uso o Figma?

Carolina – Eu tenho mais a mão na massa em pesquisa do que em desenho. Em pesquisa eu ponho muito a mão na massa. Eu desenho o campo, eu entrevisto, eu faço questionário online, eu faço análise. Para o lado de pesquisa, sim, coloco muita mão na massa. Para o lado de design não coloco a mão na massa há muito tempo. Porque nunca foi aonde eu fui boa. Eu me lembro a primeira vez que eu contratei alguém que fazia muito melhor do que eu. Gente, que coisa boa. Como você contratou alguém que vai entregar o negócio melhor do que você faz? É tudo que eu quero. Tem gente muito melhor do que eu trabalhando aqui. Isso que é felicidade.

Eu queria que você comentasse um pouco, Carol, como você se tornou, depois de ter fundado a sua empresa, você ter tido essas experiências, como você se tornou professora? Como surgiu isso na sua carreira?

Carolina – Eu dei aulas esporadicamente. Eu dou aulas em alguns momentos, eu fiz junto com a Silvia Melo. Na verdade, a primeira vez que eu topei dar um curso mesmo, a Silvia Melo me chamou para pegar junto com ela num curso da EBAC, que era um semestre inteiro, era um curso bem completo de 2 anos sobre UX e design digital, e eu dividi com ela essa visão mais UX, usabilidade das origens da arquitetura de informação. Eu falava bastante de perfis e ela falava bastante do protótipo de design, que é a parte que ela sabe muito melhor. Acho que foram umas 6 turmas. Foi uma experiência muito legal, era desafiador, era cansativo, mas era muito bacana chegar no final e ver o projeto, e também conversar com gente nova, se expor em entender o que está de dúvida e o que não está. Mas em algum momento o trabalho saiu de controle, e eu falei: “Não, não estou conseguindo me dedicar a isso” e acabei saindo. Fora isso, eu dou uma aula na Miami AD School, já no curso de UX strategy, já desde a primeira classe, que é muito legal, aí é um tema que eu viajo na maionese, que é UX métricas, mas aí eu já falo mais de dados e questões de privacidade, de para que a gente usa isso. São temas que eu gosto, sobre os quais eu estudei um pouco, li um pouco, e é uma oportunidade de tempos em tempos revisitar e ter aquele deck, onde eu guardo referências. Sabe quando você vê aquelas notícias e você fala: “Não é possível que estão falando disso de novo”. E fica armazenado, eu organizo isso uma vez a cada 6 meses. Não é que eu me sinta super professora, eu gosto muito da conversa e da troca, mas eu não faço isso com muita frequência e nem daria conta, porque exige bastante dedicação.

Nesses cursos, o que você vê mais? O pessoal sendo mais generalista ou coisas mais específicas, sendo mais especialistas?

Carolina – Do ponto de vista dos cursos, eu não sei te dizer, mas no mercado eu acho que a gente partiu de uma época em que todo mundo fazia um pouco de tudo e está com uma tendência de especialização. Mas a gente tem que tomar cuidado do nível de especialização que a gente está chegando. Acho que agora, obviamente, a pesquisa se separou muito do desenho, que era uma coisa que era mais junta lá atrás, tinha que fazer um pouco de tudo mesmo. Bem ou mal, tem gente que faz só UI, tem gente que pensa mais nos fluxos, de uma maneira um pouco mais abrangente, tem gente que faz agora só texto. Então, especializações eu estou vendo aparecendo mais, só que de certa forma, é mais fácil você entrar no mercado tendo uma especialização, porque você consegue controlar melhor tudo aquilo que você aprendeu para fazer, mas não dá para você só saber daquilo, você precisa, pelo menos, entender o que está acontecendo ao lado com as outras disciplinas, para ter para onde crescer também, senão, as chances de você crescer são menores.

E o mercado, você vê essa visão de que parece estar se tornando mais especialista, mas a procura ainda pelas empresas você acha que é mais para generalistas ou já está mudando muito mais para algo específico, mais especialistas mesmo?

Carolina – Acho que a procura é mais para generalistas, mas as vagas de especialistas existem. Coisa que há 2 anos atrás, talvez, elas não existissem. O UX writing… eu odeio essa mania de tudo ter que ser em inglês, mas enfim. Mas o UX writing era um cargo que não existia e hoje em dia é uma coisa que você vê vagas, existem vagas, elas estão aí, tem uma quantidade considerável de pessoas fazendo. Então, começa a ter relevância. Lógico que a procura é muito menor, porque é um trabalho mais específico e que à proporção que você precisa entre uma pessoa mais UX designer, ou um designer mais generalista, precisa de muito mais pessoas assim do que pessoas focadas no texto, que não quer dizer que você não precisa trabalhar também. A mesma coisa é a pesquisa, normalmente você precisa de menos pesquisadores do que designers visuais, mas a proporção em alguns times é enorme. Eu ouvi falar de equipes de designers com mais de 600 pessoas. Eu fico pensando: “Gente, como é que organiza 600 pessoas”? Aí realmente, você precisa de design Ops, você precisa de alguém só para cuidar da gestão de conhecimento para todo mundo, pelo menos, falar a mesma língua. De preferência, olhando para o mesmo lado, para ninguém ficar fazendo um business, eventualmente, diferente. Eu queria entender como que vai ficar a escala para uma coisa como essa.

Qual, na sua visão, vai ser o desafio dos próximos anos? Porque a gente vê uma galera entrando no mercado, muitas vezes as pessoas contratam designers de experiência para desenhar tela, sendo bem honesto, e não priorizam pesquisa. Isso é o que acontece no mercado, porque tem uma pressa para lançar alguma coisa. Qual você imagina que vai ser o desafio dos próximos anos, em relação ao design?

Carolina – Eu acho que a gente tem aquela famosa visão de que, na verdade, o futuro já está aqui, está distribuído de maneira desigual. Eu acho que a gente vai continuar com desafio, tem empresas que já passaram por isso e que já estão muito mais organizadas e maduras hoje em dia, e conseguem ter uma operação bacana, uma integração entre a visão de estratégia e o que a equipe de design faz, e com isso você consegue conectar. Puts, eu tenho pesquisa, eu entendo que eu preciso fazer isso, porque eu quero manter o meu negócio ativo daqui a 5 anos, daqui a 10 anos, daqui a 15 anos, então eu preciso estar alinhado as tendências do que vai mudar, do que não vai mudar, mas entendo que tem que ter execução de curto prazo agora, mas o grosso do mercado está patinando muito ele chegar em conseguir ter o design ouvido junto com C-Level, de conseguir discutir, de maneira, de fato, estratégica, por que a gente está fazendo isso ou por que a gente não está fazendo aquilo. Essa passagem do, simplesmente, “desenha uma tela bonita aí”, mas por que essa tela tem esse texto, por que essa tela tem esse botão ou por que a tela existe… Quantas vezes: “Ah, desenha um App”, “Que App? Por que é um App”? De como você consegue resolver um problema que precisa ser resolvido, é um dilema que vai demorar muito tempo para a gente ter a maior parte das empresas tendo passado por isso. Talvez não passe.

Muito obrigado, Carol, pela participação. Agora você pode deixar a sua mensagem para as futuras gerações.

Carolina – Muito obrigada vocês pelo convite. Foi um ótimo papo. A minha mensagem é: Estude bastante, seja sempre curioso, continue estudando, mas de preferência também, olhe para os lados. A gente tem uma mania, no mundo de UX, a ficar preso na roda, parece que as referências são sempre as mesmas. O UX já é até antigo, o novo nome é produto, design de produtos, está muito mais usado do que UX design. Mas a gente tem mania de só ler os nossos pares, só olhar para cá, e eu acho que é muito importante estar mais atento a outras coisas, a outras disciplinas, o que as outras pessoas estão fazendo, por quê, e não ficar atento, olhando para o espelho. Então, acho que isso é uma boa dica de desenvolvimento geral.

E mais informações sobre a Carol, a gente vai colocar na descrição desse áudio com indicações de tudo o que a Carol quiser indicar para vocês, vai estar ali embaixo na descrição. Aperta ali, acessa. Obrigado, Carol.

Carolina – Tchau, gente. Obrigada!