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TEMPORADA 1 - EPISÓDIO 9

Letícia Pires

Temporada 1 Episódio 9 – Letícia Pires
PROJETO: Desenhando Produtos

Adoro facilitar o trabalho de times de design na criação de produtos e serviços pertinentes na vida das pessoas. Tudo com sharpies, post-its e frameworks. Sou designer e atuo como Head of Product Design de um dos unicórnios brasileiros. Hoje eu gerencio um time de mais de sessenta profissionais espalhados por todas as soluções que o QuintoAndar oferece no mercado imobiliário.

Sou formada em Desenho Industrial pela Esdi – UERJ e pela Ohio State University; e em Design de Serviços e Inovação pela Eise – live|work. Há quase dez anos, venho me dedicando exclusivamente a implementar esta abordagem em startups.

É um clichê dizer, mas sou apaixonada pelo Design e pela nossa capacidade não só de questionar mas sim, propor novas soluções para qualquer problema.

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Hoje nós vamos conversar com ela, que é head de product design no Quinto Andar, um dos fenômenos de produto no Brasil, Letícia Pires. Vamos começar falando sobre você, que você comece falando sobre você, onde você está hoje, de onde você veio, o que gosta de fazer e o que te motivou a chegar até aqui. 

Letícia Pires – Começando por hoje, como você bem disse, eu sou designer, eu trabalho hoje no Quinto Andar. O Quinto Andar é uma empresa de tecnologia com soluções do mercado imobiliário, então a gente hoje presta serviços de aluguel, de compra e venda para todo mundo no ecossistema, então a gente é marketplace para proprietários, inquilinos, futuros compradores e quem está vendendo, mas também a gente tem soluções para quem trabalha com isso, então a gente tem soluções de fotógrafos pelos corretores, pelos vistoriadores. Enfim, a gente tem produto e negócio com todo mundo, com os imobiliárias parceiras, a gente abrange muita gente, olhando para o ecossistema do mercado imobiliário. Hoje a minha posição lá é Head de design de produto, a gente tem um time bastante grande de designers, a gente tem design em duas grandes áreas, produto, trabalhando com product management e engenharia, e tem design também lá no marketing, que quem toca é o Alan. Enfim, temos áreas de design. Eu toco a área de design de produto. Hoje, eu acho que a gente contou 50 pessoas em design de produto, espalhados em várias squads, para várias soluções, para diversas pessoas. De onde eu vim? Design de formação, eu fiz a graduação na ESDI, UERJ no Rio de Janeiro, na primeira escola de design industrial na América Latina, fundada em 1963. E fiz a graduação clássica, fiz a graduação industrial mesmo, produto físico e programação visual, não tinha nem escolha de cadeira não, eu tinha que fazer as duas, não era uma coisa que você podia escolher, tinha que fazer. A faculdade foi muito importante para mim, eu sou de uma cidade do interior do Rio de Janeiro, bem pequenininha, e saí como muitos colegas de colégio da minha geração saíram da cidade para estudar, para fazer graduação na capital ou em capitais, teve gente que foi para Minas, teve gente que foi para São Paulo, eu fui para o Rio estudar. Desde lá, claro, a faculdade foi o primeiro contato com o design formalmente, eu me interessava por muitas coisas, mas não era design, não tinha metodologia, nada disso. Desde então, eu brinco que é uma trajetória de colcha de retalhos, as coisas não são lineares para quem trabalha com design, que é uma coisa tão generalista. Então, eu trabalhei em mídia impressa, trabalhei com branding, depois trabalhei com tecnologia, fui e voltei várias vezes, até que uma vez eu vim para São Paulo para um curso, porque o curso abriu de jornalismo, mas que tinha designers, fotógrafos, cineastas, era uma multidisciplinaridade. Dali eu acabei sendo trainee da empresa, e no trainee eu mudei de verdade para tecnologia, para trabalhar no design de tecnologia. Na época eu trabalhava como arquiteta de informação de uma área que cuidava de produtos digitais das revistas, antes disso, tecnologia foi muito forte para mim num estágio no Globo.com, jovem notícia, se eu falar a edição do Big Brother vocês vão fazer as contas e vão descobrir a minha idade. Mas enfim. E também numa experiência muito bacana que é a faculdade promover dos estudantes fazerem um projeto com a Microsoft na época, foram momentos que marcaram muito nessa interface com tecnologia. A partir de 2009, na Abril, eu comecei, de fato, e não voltei mais. Em 2014 eu comecei a trabalhar com startup, não no modelo mais de consultoria, mas dentro dos times, e no final de 2015 eu entrei no Quinto Andar, e entrei no Quinto Andar como designer, eu era a terceira do grupinho de designers, agora estou aí num time de 50. É legal ter acompanhado nesses últimos 5 anos esse crescimento das oportunidades para os designers nessas empresas de tecnologia, que estão promovendo soluções super inovadoras, estão crescendo muito. O lance do unicórnio eu vejo, não pela coisa da grana, o tamanho da empresa, crescer muito, claro, tem isso também, mas para mim o que é muito interessante é porque é uma oportunidade muito grande para os designers, eu acho que as empresas de tecnologia apostam muito na nossa disciplina, no nosso olhar para gerar essas soluções novas e entregarem coisas que realmente são relevantes para as pessoas na vida delas, o que interessa é o que você entrega no final do dia, eu vejo isso como muito positivo para a nossa categoria. Tem muito chão pela frente, pelo menos, pensando Brasil. O que também difere muito do que a gente está vendo como economia, a gente todo dia só vê notícia ruim, a gente está indo bem na contramão, o terreno é super fértil, só cresce números de oportunidades, todo mundo tendo oportunidades, inclusive de escolher lugares, cadeiras, para mim, esse bum é super positivo, super saudável, acho que temos muito a crescer.

Você falou da importância da formação na sua carreira, o quanto a formação te deu bagagem, repertório para seguir adiante, para tomar o rumo em direção a algum caminho, de repente, trabalhar inserida numa startup, numa empresa de alto crescimento. Pensando nisso, qual é a sua visão sobre a capacidade que a empresa tem de ser um ambiente de formação e de geração de aprendizado? Se isso é importante na carreira de designer, da pessoa que quer seguir, quer tomar esse rumo? E que tipo de empresa trabalhar, especialmente nesse contexto que você está vivendo? Se você olhar para trás, desde 2014 até agora, quais foram as suas principais percepções, acerca de aprendizado e evolução?


Letícia Pires – Eu acredito que não é exclusivo para designer, acho que está acontecendo com a maioria das disciplinas profissionais, eu acho que a gente está num momento que o trabalho está muito sofisticado, eu não acredito numa coisa assim: “eu me formei, estou pronta, vou trabalhar a vida inteira em cima daquele conhecimento que eu adquiri na formação acadêmica, formal”. Eu acho que está todo mundo no mesmo barco, ali é um começo, mas a vida inteira a gente está aprendendo, eu acho que as coisas estão ficando complexas, as entregas são complexas, o jeito de trabalhar é sofisticado, isso exige você estudar o tempo todo. Com certeza o designer tem uma carga de mão na massa, de você se expor a experiência de criar coisas, de colocar na rua, ver o que a pessoa usou, o que não usou, o que deu certo, o que não deu. A danada da conversão, porque há um tempo atrás, quando eu comecei a trabalhar com a tecnologia, era esperado de mim como designer muita usabilidade, e aí lá fazia teste de usabilidade, eu falei: “a minha alternativa projetual está correta, porque as pessoas conseguem completar as tarefas, elas entenderam”, hoje não é assim, isso é uma parte da entrega, hoje eu faço a entrega da usabilidade, preciso garantir que isso tenha qualidade sim, designers de produto estão envolvidos se as pessoas estão usando, se aquilo faz sentido ser sustentável para a empresa, faz o dinheiro rodar? A coisa anda? Então, eu acho que tem esse lance para a gente aprender o tempo todo. Aprender, porque tem que aprender a estudar outras coisas, aprender estando com outras disciplinas. Uma vez que eu trabalho junto com engenheiros, com PM de produto, Product Managers, a galera de marketing, eu acho que estar num ambiente multidisciplinar a gente aprende pra caramba, porque a gente se aproxima de lentes que não são as nossas lentes, isso eu acho que é outra coisa bastante rica que eu vejo nas empresas de tecnologia. Como eu estava falando, a gente aprende fazendo as coisas, estando perto do negócio, porque uma vez que eu estou lá dentro também, eu nunca tive tão perto do negócio, eu indicava soluções para o negócio, mas eu não estava numa reunião que alguém falasse: “três meses depois que a gente subiu tal coisa, esse número caiu. Por que ele é um indicador importante? O que está acontecendo aqui? Vamos investigar”, essa não era uma pergunta que vinha para mim antes em outros modelos que eu trabalhei, agora é uma pergunta diária, do tipo: “estamos indo bem? Não estamos indo bem? Como isso está acontecendo?”. Trabalhar tão perto do negócio tem o seu aprendizado também, eu acho que tem esse outro lado, estou perto do negócio, das outras disciplinas, o próprio aprendizado ao você experimentar e projetar, colocando as coisas na rua, o nosso querido pilar de prototipar é colocar na rua, aprender qual vai ser a solução, evoluir essa solução, acho que o aprendizado está por aí. Empresas que são interessantes, eu acho que são as empresas que apostem nessa multidisciplinaridade, que entendam que as disciplinas têm um potencial muito grande quando elas se encontram para discutir problemas para gerar alternativas, não tanto empresas que talvez vejam disciplinas muito inchadas e ainda naquele processo esteira, tipo, chega um briefing, você faz e você entrega para outra galera, outra galera pega isso e faz… eu acho que tem estruturas que funcionam super bem assim, e está tudo certo com isso, não é uma crítica, não acho que só existe um modelo, nada disso, mas para designers eu acho mais interessante lugares em que a gente é exposto a várias disciplinas, a gente tem que dar a nossa opinião, a gente é cobrado para pensar não só design, mas como o design se encaixa no negócio, o que a gente realmente está entregando de valor para os clientes.

Ainda nesse assunto, eu queria saber a sua opinião. Hoje em dia a gente não tem algo formalizado aqui no Brasil, pelo menos, de Product Design, um curso, uma faculdade, algo assim, e a gente tem muitos cursos por diversas empresas no mercado. O que você diria para alguém que está começando agora? A gente sabe que é bem difícil as pessoas fazerem o curso ali, tem que gastar uma grana e tentar ingressar, e as empresas ainda têm aquela seleção de “só quero sêniores, tem que ter experiência, tem que ter isso, tem que ter aquilo”. O que você diria para essas pessoas? Como começar? O que elas poderiam fazer para se destacar no meio dessa multidão?

Letícia Pires – Pensando numa formação mais tradicional, do tipo, “vou fazer uma faculdade e vou me aproximar dessa disciplina”, eu acho que a academia realmente, algumas agora tem. Os fundamentos de design são os fundamentos do desenho industrial lá de trás, é claro que as entregas, tem uma opinião diferente, a gente não pode falar o que acaba sendo cobrado de um designer dos anos 60… acho que tem uma base em comum, tem algumas coisas que se encontram. Mas a gente pode falar a mesma coisa sobre engenharia, sobre arquitetura, sobre medicina, provavelmente dá para se comparar. Eu valorizo muito a formação acadêmica, porque eu acho que tem outro papel aí, é fazer você ter análise crítica, pensamento crítico, e é importante. Eu entendo que a academia esteja distante do mercado, mas me dói muito quando eu escuto umas coisas meio que desvalorizando o ensino acadêmico, a disciplina, eu não concordo. Em relação aos cursos, é verdade isso que você está falando, a coisa está mudando muito rápido, tem que fazer cursos. É sim um investimento caro, tanto de tempo, quanto de disposição, quanto de grana, mas esse universo da tecnologia precisa desse investimento, quem quer ter uma carreira, não só um trabalho, vai precisar investir e fazer essas contas aí, o que entra, o que sai, o quanto que está saindo agora, eu estou fazendo uma aposta a longo prazo de entrar mais no futuro, porque também é questionável o tanto de vagas, até os salários que estão nesse mercado e que estão em outros mercados de design, a gente também não pode ignorar também esse contexto. Mas eu acho que também tem uma outra coisa que dá para fazer, talvez seja mais low budget, mas tem que ter engajamento, tem que ter energia, tem que ter disciplina, são os exercícios. Muita gente me pergunta: “como começa? Como eu entro?”, tem que fazer exercício, tem que colocar a mão na massa, tem que se perguntar: “beleza, hoje eu abri o meu aplicativo de música? Quais são os cenários que eu estou pensando? Como eu desenharia isso? Como isso pode ganhar dinheiro?”, enfim, eu acho que tem que se aproximar um pouco dessas perguntas e fazer exercícios. Eu brinco, às vezes, de exercícios malucos. Tipo, você tem um amigo engenheiro, ele vira e fala: “vamos fazer um novo aplicativo de não sei o que?”, faz, desenha, estrutura, pega uma ferramenta, estuda essa ferramenta, tenta aplicar. Quais são as dificuldades? O que você não entendeu? Quando a gente coloca para uso é que a gente entende se a gente aprendeu ou não, se aquela ferramenta realmente serve para aquilo que a gente estava imaginando. Isso eu acho que é indispensável para qualquer pessoa que queira trabalhar como designer nesse mercado de tecnologia. Você pode fazer 40 mil cursos, mas se você não tem nenhum exercício de nada, fica muito difícil mesmo, porque tem entrega técnica muito para longe, quando a gente está trabalhando com design de produto em termos de tecnologia. Carga de entrega da Quinto Andar é muito grande, então o ferramental vai importar, o tanto de experiência que você tem vai importar, porque sim, concordo também com a sua afirmação, as empresas ainda exigem muito, a gente ainda tem uma carência enorme de programas de estágio nessas empresas de tecnologia, porque elas crescem tão rápido que também tem esse outro ponto, por muito tempo eu que fazia o programa de estágio no Quinto Andar, mas é muito injusto para alguém que acabou de entrar no mercado. Se você colocar um Júnior ou alguém que acabou de fazer uma migração num squad, uma loucura, você está expondo essa pessoa a um cenário de uma exigência tão grande que não vai dar certo, você precisa dar suporte para quem está entrando. Então, acho que, às vezes, a gente nem para pra pensar nisso: “por que só tem vaga para sênior? Só tem vaga para gente experiente nessas empresas legais. Eu queria muito entrar, mas eu sou Júnior”, talvez, entrar é roubada, porque precisa ter esse suporte. Agora, depois de 5 anos que eu estou, a gente fez o nosso primeiro programa de estágio, foram três selecionadas, estou dando spoiler aqui no podcast de vocês, mas a gente teve que recortar, a gente criou um programa para elas não chegarem, tipo, “se virem aí”, porque na startup quando eu cheguei, quando vários designers chegaram no meu time, tem um ponto de “se vira aí”, não dá para se virar quando você acabou de chegar, eu tenho que me virar? Então, eu acho que tem sim essa carência, eu acho que tem motivos ter uma carência, não é uma construção de plano, quero justificar, mas acho que tem ainda um tempo de uma estruturação, um tempo de as empresas chegarem, os chapters de designers chegarem numa maturidade e a gente começar a ter programa. Eu acho que vai começar a ter, porque é muita vaga, muita gente, a gente precisa de muita gente e não tem, esse casamento não está rolando, então eu acho que à medida que as empresas também avançarem, elas vão começar a estruturar, porque também para elas é interessante. É interessante que elas também tenham pessoas que estão embarcando, começando nesse mercado, mas ainda existe esse débito, e aí o investimento acaba ficando individual, quem está afim de entrar tem que botar muito mais investimento do que se tivesse num programa de estágio, treinamentos, coisas que as empresas tivessem oferecendo, por enquanto, ainda tem um investimento muito grande individual de quem quer entrar nesse mercado.

Na sua visão, a gente está falando de pessoas que querem entrar nesse mercado, você até tocou num ponto legal das empresas também terem essa estrutura, e terem essa visão de conseguir perceber que essas pessoas ainda não têm condições necessárias para conseguirem desenvolver um papel como um sênior. Quais são as características que você acha que essas pessoas que estão começando agora devem ter para buscar uma oportunidade boa no mercado? O que você acha que elas devem desenvolver como Product Design? Ou até, que características que ajudariam elas a suprir, de certa forma, a falta de experiência? Não tem tanta experiência, mas tem esse tanto de coisa aqui.

Letícia Pires – Acho que o ferramental é importante, no sentido de, aprender as ferramentas e para que elas servem, é importante. Acho que tem uma outra coisa, que é ter pensamento crítico, se questionar, ser curioso, isso é muito mais sutil de medir, de avaliar, de saber “será que eu tenho isso para a empresa tal?”, tem a ver com o viés cultural da empresa, esse casamento de funcionamento do colaborador e da empresa. Mas eu acho que isso super conta. Eu acho que também é um tanto de como eles tomaram risco, conversar, ver qual é, eu acho que tem uma coisa que eu penso bastante, que muitas vezes a gente vai conversar com as empresas muito sedentos, “nossa, essa empresa deve ser muito legal, eu quero muito ir para lá”, talvez a gente tivesse que equilibrar um pouco isso com: “essa empresa combina um pouco com o jeito que eu funciono?”, eu acho que tem muito mais a ver com o relacionamento do que “eu sou bom, eu sou ruim, eu entrei, eu não entrei”. Eu sei que isso também é difícil de falar, “mas e aí, como eu meço?”, mas eu acho que é importante a gente considerar um pouco essa história de que tem muito mais a ver com o jeito de funcionamento, do que essa coisa de: “ah, então eu não sou bom o suficiente, por isso que eu tomei esse não e não entrei”, eu acho que isso também é outra coisa que a gente precisa considerar. Ferramental e eu acho que curiosidade, às vezes, a pessoa não tem projeto nenhum, mas eu fui tentar entender, estou aqui conversando com quem está lá, eu fui tentar entender como as imobiliárias funcionam, como vem o dinheiro de uma imobiliária. Isso é um estudo que você pode abrir no Google, entender um pouco do mercado imobiliário para ir conversar. Isso já é uma parte importante também, de interesse, de curiosidade sobre que tipo de negócio com quem eu estou conversando. Isso eu acho importante, chegar um pouco mais preparado. Eu não tenho nenhuma experiência, eu estou gostando muito, estou querendo muito, tem esse tanto de ferramentas que eu estou manjando, tem coisas que eu quero aprender. Saber de você, eu também acho que é importante, saber o porquê você está aqui conversando com a gente, o que te chama atenção, o que você gosta de fazer, o que você não gosta de fazer. Acho que são coisas fundamentais, e tem um portfólio de 10 anos, eu acho que é o outro pedaço da balança.

Eu tenho uma dúvida prática, já que a gente está falando de pragmatismo, eu tenho uma dúvida prática em relação a alguns papeis dessas pessoas de design, sejam as pessoas que estão iniciando ou as pessoas que são mais experientes. Uma das coisas da minha vida que sempre foram um problema quando eu fui alugar um imóvel, era que quando eu saí da casa dos meus pais e fui para a minha atual esposa, minha namorada na época, morar junto, foi assim: eu não tenho experiência, nem tempo de banco para ter um fiador, então eu sempre tinha que incomodar alguém para conseguir alugar alguma casa, senão, eu não conseguia alugar, até comprar a minha casa e tudo mais. Fui para São Paulo ano retrasado, foi em 2019, e o Quinto Andar me ajudou a alugar um imóvel muito rápido. Eu escolhi o imóvel… muito rápido, olhando vários, mas do ponto de vista burocrático, muito rápido. Eu consegui, aluguei, fiz um contrato. E eu notei que durante a jornada tem várias coisas que estão acontecendo ali e que não necessariamente elas são todas super interligadas, mas quando a gente sai daquela experiência, “nossa, consegui fazer o que eu queria”, “nossa, consegui tirar esse peso da consciência”, “nossa, consegui entregar o imóvel”, foi a última coisa que eu fiz. Qual é o papel das pessoas que são designers? Porque tem várias pessoas, tem as pessoas de negócio, tecnologia, envolvidas. Quais são os papeis das pessoas de design no processo de construção do produto em si?

Letícia Pires – Acho que tem uma etapa que é muito nossa responsabilidade como designers, que é tangibilizar essas ideias nessas soluções. A gente tem um problema e tem que concretizar isso, no nosso caso, em interface, porque você fez tudo isso usando um aplicativo no seu celular, ou num site, num desktop, enfim. Então, eu levo umas interfaces para você usar. Numa primeira instancia, a gente, os designers são os responsáveis de transformar isso em fluxos, em interfaces, textos, te orientar a navegar nessas tarefas, mas recortando camadas, a gente também é responsável de entender, por exemplo, que o Josias chegou em São Paulo e não tem fiador, e aí? Ele não pode alugar? Essa abordagem de entender quais são os problemas reais das pessoas no dia a dia para chegar num objetivo, inclusive, é um pouco o meu statement em relação ao que o designer pode e adiciona. Pode adicionar? Não. Deveria adicionar? Talvez. A abordagem de negócio, ver um apartamento que ele vai ver, e ver um sujeito que tem uma grana e que more ali dentro, vai morar mandando esse dinheiro, mudando para esse apartamento vazio. Então, é a oportunidade de negócio, tem um apartamento vazio, alguém querendo, pode circular dinheiro aqui. O designer adiciona ao negócio, e é uma parceria isso, quando ele fala: “esse sujeito tem dinheiro, tem interesse, e aí? Como essa relação vai acontecer? Tem que ter um contrato. Esse sujeito vai ter o dinheiro todo mês? Ele vai pagar esse negócio? Vai dar certo esse trâmite?”. Então, eu acho que a gente chega perto e olha as pessoas, como isso funciona, qual é a sua percepção, como é a sua relação emocional com tudo isso, e a gente tem essa oportunidade de adicionar essas camadas, e aí sim, chegar em soluções pertinentes para as pessoas. Porque, se a gente for olhar, o fiador é uma solução que funciona e funcionou sei lá quantos anos, mas à medida que as pessoas transitam mais, trocam mais de apartamento, por que não? Se ela tem dinheiro, por que ela não pode contratar esse serviço? Se ela tem a grana dela, se ela tem o rendimento dela? Então, começa a ter, quase uma conversão, vamos dizer assim, esse modelo fica obsoleto, ele não serve mais para todo mundo, ele serviu para um grupo, ele serve ainda, muitas pessoas do Brasil alugam com fiador, está tudo certo, mas não está servindo mais para 100% das pessoas não. Eu brinco que fiador me parece uma coisa… eu sei que funciona, mas me parece uma coisa meio feudal, tipo assim, alguém que mora nesse condado tem que me liberar para eu morar nesse condado. Eu tenho essa mesma história, eu saí com 17 anos de casa para estudar, e era isso, os meus pais tinham uma casa numa cidade do interior, quando eu fui para a capital, eu tinha que ter uma casa na capital, e aí? Então, eu não posso estudar, não posso morar aqui porque eu não tenho fiador, é um bloqueio muito grande. Tem outros milhares de cenário que a gente pode contar. Mas quando o negócio olha para a necessidade das pessoas, cenários, oportunidades, mas lincar a realidade das pessoas, a gente começa a ter esse tipo de ideia: Se ele tem a grana dele, será que a gente faz uma análise de crédito e a gente entende se a gente pode realmente fazer esse contrato? Porque os proprietários também, a gente tem que assegurar que esse cara vai receber, ele precisa desse dinheiro também, desse bem dele, desse patrimônio dele. Então, fazer esses casamentos e tentar gerar, qual é o problema? Existe uma pessoa aqui que está afim, a gente tem essa oportunidade aqui e a gente precisa fazer esse casamento rolar, e com o fiador tem uma orientação: quais são as suas execuções? Então, os designers também têm esse papel super importante de ir junto com o negócio, não só deixar as soluções concretas para você poder acessar, mas também olhar a oportunidade de onde a gente pode mexer. Por que as pessoas não estão conseguindo? Ele está aqui em São Paulo, ele quer morar aqui, ele tem grana para morar nesse lugar que ele escolheu, por que ele não está conseguindo? “Ah, porque ele está sem fiador”. Estou dando esse exemplo, porque é onde o Quinto Andar realmente quebrou, renovou, mudou totalmente para as pessoas, pensando no mercado brasileiro, mas a gente pode fazer isso em várias escalas, pode ser um problema desse tamanho, que é… o Josias foi lá visitar o apartamento, e a chave? Cadê a chave? Aonde a chave fica? É um problema também, a gente falou de um grandão aqui, mas os designers estão em todos esses microproblemas desse processo, e a gente tem que ficar tendo ideias e pensando como a gente faz para a gente não ter mais esses problemas. Essa, talvez seja a camada mais longe dessa história do tático de a gente tangibilizar as interfaces, mas a gente também tem que manter o olho nas pessoas, trazer isso para o negócio, para a gente bolar outros tipos de serviços. Eu até dei um exemplo muito operacional do processo, pegar uma chave e tudo mais, mas tem outras coisas, aí são oportunidades outras. Será que existe um outro jeito de dialogar que não é esse jeito que a gente aprendeu? De fazer visita, fazer proposta, numa proposta assinar um contrato e entrar na casa? Não sei, talvez tenha, e a gente se pergunta isso todo dia.

Eu queria mudar de assunto. Queria que você contasse um pouco sobre a sua carreira. Você falou que você foi a terceira designer a entrar no Quinto Andar, você também falou que agora são 50 designers, então a gente vê a baita evolução que teve aí nesse período, nesses 5 anos que você está ali no Quinto Andar. Como foi o começo para você? Quais foram as principais dificuldades que você teve? E como você se tornou líder no Quinto Andar? Como foi essa virada na sua carreira?

Letícia Pires – Acho que dificuldades devem ser muitas, eu lembro de uma que para mim é meio dramática, meio cômica, hoje eu rio disso, mas eu lembro que quando eu comecei a trabalhar com tecnologia, a coisa que mais foi difícil para mim, tendo a formação de Product Design, era a falta de controle total e absoluta da entrega final, a tipografia, a diagramação, eu sofria horrores, do tipo: “mas eu fiz o layout todo maravilhoso”, foi para o ar, muda a área, muda tudo. A primeira dificuldade foi esse embate para mim, como a tecnologia é digital eu não tinha o controle que eu tinha nas tecnologias analógicas, tipo, imprimir uma coisa, colocar em gráfica e tudo mais, eu tinha um controle muito maior. Eu acho que é uma dificuldade de embate, que a tecnologia jogou na minha cara e falou: “então, aqui não é assim não”, a tecnologia digital. Foi esse primeiro tapa na minha cara. Acho que depois, as outras dificuldades é se aproximar do negócio, da linguagem do negócio, isso é difícil para mim até hoje, mesmo numa posição super legal, conhecendo bastante o Quinto Andar, porque eu estou lá há bastante tempo, eu vi muita coisa. Ainda assim, todo dia eu entro num relatório e tenho que aprender um termo novo, todo dia eu dou de cara um monte de coisas. Então, é difícil, porque é outra linguagem. Tem outro lado dessa moeda, que é, a gente precisa traduzir algumas coisas que são super naturais para a gente, porque é do mundo do design, e que é preciso ser o interlocutor com essas disciplinas, eu preciso traduzir também. Essas são as dificuldades de hoje, tem essa dificuldade que eu rio dela hoje, para mim tem um baque entre o digital e o que eu sabia de design, que é o lance do controle, eu acho que hoje a gente pode olhar para isso em outras camadas, não é mais tipografia, a gente já evoluiu pra caramba nisso, em controle da interface, do que realmente é construído e exposto para as pessoas usarem. Mas acho que hoje, falando das dificuldades de hoje, eu acho que aí essa dificuldade entra para quem é Júnior e está em Product Design. Eu, quando era Júnior eu não estava em Product Design. Então, acho que esse universo de negócio é um universo árabe para designer, tantas coisas visuais, quando tem um gráfico você dá graças a Deus, porque você fala: “Opa, consegui alguma coisa aqui”, e é um negócio que a gente tem que ter muita resiliência, a gente tem que entender que a gente não sabe mesmo em muitas situações, que a gente tem que pedir ajuda para as pessoas traduzirem para a gente, não pode ter vergonha em falar, “peguei aqui o relatório, vou colocar embaixo do braço e vou fingir que nada aconteceu”. Então, se aproximar da linguagem de negócio. E eu acho que outra dificuldade grande que a gente tem que estar sempre atento, é como a gente traduz coisas que são importantes para a gente, como a gente negocia essas coisas importantes para a gente, para as outras disciplinas entenderem aonde você quer chegar, por que você está insistindo nisso? O que a gente vai ganhar fazendo uma pesquisa? Isso eu acho que é uma outra coisa também. Sobre ser líder, eu vejo ser líder e ser gestor de jeitos diferentes, hoje é mais claro para mim, antes não era nada claro essa divisão. Hoje eu entendo que para mim era sempre muito claro essa história, porque eu sou uma apaixonada pelo design, eu sempre tive a sorte de trabalhar com muitas disciplinas, por exemplo, na Abril eu trabalhava junto com jornalistas, também com engenheiros e tudo mais, e eu sempre tive isso de virar para a pessoa e falar: “você não quer aprender uma ferramentinha aqui de design para esse problema que você está me falando? Talvez o design pode te ajudar nisso”. Eu sempre falei do que era a abordagem de design, porque eu acreditava tanto naquilo. Eu acho que isso que me faz ser líder de design. Eu me entendo líder de design porque eu acho que a abordagem de design é uma abordagem legal para a gente chegar em inovação, criar novos jeitos de resolver problemas antigos, desde negócio até um problema micro, e isso é um processo profissional, e eu sempre fui essa pessoa que dava workshop de jornada para o jornalista, porque eu engajava a galera, tipo, “cara, isso é muito legal, isso pode te ajudar”. Mais para frente eu fui entendendo que isso me fazia ser líder, porque eu tinha uma visão, eu queria que as pessoas se aproximassem, porque eu acreditava muito que a abordagem dava certo. Virar gestora no Quinto Andar é um processo, eu não sou uma gestora experiente, eu faço isso há 4 anos, eu acho, é que eu fui colocada num ambiente com catalizador, tipo: “legal, você agora tem 7, você agora tem 15, agora você tem 50”, então está sendo muito acelerado o processo, e tem suas vantagens e desvantagens, mas eu vejo mais vantagem, porque eu fui exposta a esse ambiente que anda muito rápido, eu tive que aprender a tomar decisões rápidas, a ter que investir muito, a ter que fazer com muita intenção. Por eu não ser super experiente, eu não tenho tempo estrelada para falar: “nossa, eu já tive várias equipes”, e tudo mais. Qual é a minha compensação? É colocar muita intenção, eu estudo muito, eu leio muito, eu trabalho muito para ser a melhor que eu posso ser como gestora, quero ter o meu pensamento como designer. Eu gosto disso, eu vou trabalhar o máximo possível para ser a maior designer que eu considero no nível profissional. Então, eu vejo a gestão um pouco assim também, vejo que é uma construção. É muito diferente você ter um time, você ter que cuidar desse time, criar processos para esse time, mas principalmente, garantir um ambiente de segurança, de troca saudável, ter um time que realmente se sinta time. Eu acho que muitas coisas mudaram na minha cabeça, porque assim que eu sentei nessa cadeira, eu comecei a me podar, de: “ai, meu Deus, eu tenho que então, eu fazer todas as estruturas, eu tenho que garantir”, e não, agora é muito mais claro para mim que eu sou uma facilitadora, eu sou parte do time, esse time tem que funcionar. O Quinto Andar não tem time da Letícia, ele tem o time de design do Quinto Andar. Eu acho que isso foi a grande coisa que virou na minha cabeça, do tipo, o que eu esperava e quando a vida real trouxe, o que aconteceu. E para mim hoje, essa história da facilitação tem muito a ver com criar um ambiente de troca, de crescimento, de segurança psicológica, de que as pessoas se sintam realmente parte desse time, que elas estão contribuindo para o time, para a empresa, para elas mesmas, tem que preencher todas essas camadas, porque senão, as pessoas também não querem trabalhar ali. Eu tenho que ter esse papel de ter a intenção de construir esse ambiente, de facilitar, tirar barreiras para as pessoas trabalharem juntas e serem o melhor que elas podem ser nessa entrega.

Isso sobre um time de designers, você está falando de um grupo de pessoas que é mais do que um grupo de pessoas, que é o senso de pertencimento a um time, eu faço parte de um coletivo. E a gente fala sobre coisas que são legais, que nos dão motivação para seguir adiante. Só que a gente sabe que no meio do caminho ali, acontecem alguns tropeços e o quanto a gente aprende com isso. Na sua visão, quais foram os erros comuns, que você aprendeu muito? Ou que, isso acontece, não só no Quinto Andar, mas pode acontecer em qualquer empresa? Que dicas você daria? Esses erros de formação de time e aprendizados?

Letícia Pires – Eu acho que os meus primeiros erros, com certeza, foram esses de achar que eu sozinha tinha que fazer tudo acontecer. Reforçando o que você falou, resolvendo as coisas de resultado legal, mas tem um monte de coisa que aconteceu errado para mim, talvez seja até o contrário, só acontece coisa errada, pior que você vai aprendendo. É experimentação, é um laboratório, explode na cara do cientista e ele vai mexendo lá. Eu acho que o meu primeiro grande erro foi essa auto cobrança, como se eu fosse o oráculo, como se eu fosse a pessoa que tinha que garantir que tudo funcionasse, e eu me chicoteava muito, figuramente, “nossa, fulano está com esse problema, sou eu que estou falhando aqui”, o designer precisa de tal coisa, sou eu que estou falhando aqui. Quando eu virei essa chavinha de entender que é o time, eu tinha um papel importante de identificar o que não estava legal, o que a gente ia fazer primeiro e depois, mas fazer, todo mundo tem que fazer, o time tem que fazer, todo mundo tem que estar engajado em fazer, em tentar resolver. E esse problema não pode ser um problema que eu identifiquei que só eu acho que é, esse problema tem que ser identificado pelo próprio time, a gente tem que saber que isso aqui não está funcionando tão bem, é agora que a gente vai enfrentar esse problema ou não é? Não demonstra o funcionamento? Então, acho que esses são os primeiros erros. Eu demorei um pouco também a entender que você precisa pedir ajuda de fontes, de lugares diferentes do que você costumava pedir ajuda. Como designer eu pedia ajuda a designers, e quando você vai para a gestão você tem que começar outras linhas de relação, então é bem-vindo sim conversar com um bom designer, fulano de tal, que te recomendaram muito, que você curte o trabalho dele, já ouviu falar ou já viu uma palestra, e puxar essa pessoa para uma conversa. Às vezes, investir em coaching, em ajuda externa, além do seu chefe, porque tem uma pessoa acima de mim, mais experiente e aí eu tenho que beber só dela tudo, essa pessoa também tem que ter todas as respostas. Mas não vai ter, ainda mais no ambiente que eu trabalho, que a coisa é muito corrida, então está todo mundo na loucura. Eu acho que outro grande erro, eu acho que eu demorei, hoje isso é mais claro para mim, mas a ajuda vem de vários lugares, e você tem que fazer esses investimentos, tem hora que você precisa fazer um investimento em você e parar para estudar. Isso aqui eu não sei fazer, eu preciso estudar, eu preciso pedir ajuda em outro lugar, eu preciso ter um outro recurso, que não só o meu chefe, uma pessoa mais experiente ali. Da minha cadeira, o próximo experiente é o meu chefe aqui. Agora, uma coisa que eu acho que eu mandei bem, mas é um investimento contínuo, é cuidar de mim. Cuidar, entender, me aproximar de mim, entender quais são as minhas crenças, quais são os meus valores, quais são os meus bloqueios, em relação a relacionamentos, porque o time é isso, o final do dia é como você se relaciona com o tanto de gente, como você faz essa conversa fluir, essas negociações acontecerem, essas barreiras caírem. Eu invisto em conhecer, em ter tempo para diagnosticar coisas que eu estou me sentindo insegura, as coisas que eu tenho conforto que é um negócio que eu acho que todo mundo que está na cadeira de gestão deveria investir também, porque é muito ruim quando a gente não consegue identificar uma frustração nossa, e a gente terceiriza, dá branco nos outros de uma coisa que é de você, você deveria estar resolvendo com você, e você está passando para uma outra pessoa sem perceber. Enfim, essa é uma parte que eu posso falar que é um investimento bom, eu não demorei, eu já saquei que eu precisava olhar para isso desde o início.

O que você falaria para quem está querendo assumir um cargo de liderança? Eu estou na minha carreira aqui como sênior, estou querendo virar lead aqui. O que você vê? Como virar essa chave? Geralmente, a liderança está ali, o time cresce, no caso do Quinto Andar são 50 designers, provavelmente vai ter que ter mais pessoas também ajudando a liderar. Como o Head de design escolhe quem é aquele cara que está maduro, está mais pronto para assumir? Quais são as características que se ressaltam?

Letícia Pires – Isso vai variar de empresa para empresa, o que a empresa necessita, e tudo mais. Então, é muito importante, se a pessoa quer, ela precisa observar ao redor dela, o que essa empresa espera dessa cadeira? O que alguém que está sentando nessa cadeira está fazendo? Ter essa análise crítica é muito importante, porque o discurso “eu quero ser líder”, desculpa, não leva a nada. Ótimo para você, é isso que eu tenho para responder, legal, bacana. De verdade, porque ela tem que fazer essa pergunta para ela, ela tem que fazer essa afirmação para ela, “eu quero isso”, mas o que é ser isso? O que é fazer isso? Quais são as responsabilidades que tem nessa cadeira? Quais dessas responsabilidades eu já faço? Quais eu não faço? Poxa, para ser coordenador sei lá aonde, precisa contratar gente, contratei gente, nunca contratei designer ruim, como será que faz isso? Pensar nesses pontos de partida. Eu já mentorei alguém na minha vida? Em qualquer situação, não é: “ah, eu tenho um estagiário e é formalmente na estrutura da empresa”, ainda mais, considerando design, que é tudo muito novo de como a gente está nas estruturas das empresas, você esperar que você vai ter um estagiário formal que alguém vai colocar na sua cadeira, o RH vai falar: “você tem que fazer isso, isso e isso”, só loucura em 2021 no Brasil, não sei se em outros lugares podem ter empresas com portes diferentes, que tenham processos mais estabelecidos, o que eu vejo a gente não está ali ainda, então, para quem quer ser, primeiro precisa observar melhor o que é ser. Tipo, se eu já estou aqui, preciso disso, disso e disso, porque lá não faz aquilo, aquilo e aquilo outro. Vale não olhar para o distanciamento, mas tentar relacionar as pontas, do tipo: “eu já fiz ou nunca fiz isso?”, é legal? Será que deviam me dar alguma oportunidade? Vou lá bater na porta do fulano e vou falar: “eu posso mentorar fulano nesse projeto? Eu posso me aproximar de tal coisa?”, ou até mesmo fazer sem pedir licença e depois pede desculpa se alguma coisa de errado deu. Enfim, a gente está falando de gentes que estão correndo muito rápido, então, pedir permissão, às vezes, ninguém te escuta, está todo mundo na correria. Então eu acho que é um ponto de partida. Eu não acredito muito que você conversar com o seu gestor ou o seu empregador, ver se a gente está nessa, tipo, fui, tem alguém de negócio que contratou, sou o único designer e eu estou aqui querendo defender que eu vire gestor da disciplina, a gente tem que ter um time e tudo mais. Eu não acho que o papo tenha que ser: “oi, tudo bem? Eu quero ser gestor, eu quero ser líder, eu quero ser coordenador de design aqui”, ele vai ficar te olhando com uma cara do tipo “por quê?”. Eu acho que você tem que identificar, a gente precisa de um time? A gente precisa ter mais designers? O designer tem que entregar X, Y, Z, a gente entrega X só. Esse tipo de articulação que a gente tem que fazer para subir degraus, e tentar entender a oportunidade mesmo. Para mim, precisa ser esse trabalho de análise crítica, de pensamento crítico, de você olhar ao seu redor e entender o que as pessoas fazendo, o que é esperado desses cargos. Não tem ninguém ao redor que é gestor, que é coordenador, que é gerente, beleza, abre vagas, o que está falando na vaga? Eu tenho que fazer o que? O que é esperado de mim nessa cadeira? Como profissional, que condições eu tenho? O quanto eu já naveguei nessas responsabilidades? O quanto está afim de navegar? Como eu posso experimentar isso? Como eu posso me aproximar disso? Às vezes, tem que recrutar gente, como eu posso experimentar? Existe um processo e eu posso falar: “eu queria começar a acompanhar case”, apareceu uma seleção, “eu posso participar de alguma etapa?”. Eu acho que tentar ir conectando os pontos das oportunidades que estão do outro lado, muito menos, vou preparar todo o discurso e falar para o meu chefe “eu quero ser líder, eu quero ser coordenadora”. Eu não acho que esse é o caminho, eu acho que precisa fazer o outro lado, de entender o que se faz, de fato, e como você faria, quais as condições de você entregar isso.

Uma das coisas que eu tenho curiosidade, às vezes, e eu já sofri de algumas formas por isso. Já sofri por meter pouco a mão na massa em algumas situações, e já sofri por meter muito a mão na massa quando líder, quando Head de produto e design. Na sua visão, qual o nível que uma pessoa que está em gestão deveria meter a mão na massa? E qual nível que a gente tem que dizer “vai lá e faz”?

Letícia Pires – Eu acho que realmente não tem uma resposta clara, por exemplo, numérica, porcentagem ou indicadores super claros. Eu acho que é um terreno cinza, infelizmente não temos outro contraste para responder, para falar “esse é branco, esse é preto”. Eu acho que tem um exercício que a gente precisa manter, falando de erros, ele vai ter, não vou falar parecendo que é super fácil, tem horas que eu me perco e não faço esse exercício, tem um tanto do exercício de: o que eu estou fazendo, faz sentido eu estar fazendo? Eu deveria estar fazendo uma outra coisa? E aí, quem está no liderado, no direto, ele tem condições de fazer isso. Então, equilibrar esses pontinhos, manter o radar nessas atividades, é importante. O difícil é que você parou a atividade, então, tirar a cabeça fora e falar: “peraí”, eu estou fazendo um negócio que foi antes de eu estar fazendo, porque na verdade, o meu papel aqui era pegar uma outra demanda aqui, eu deveria estar, sei lá, trabalhando no desenho de organização do time porque o time já cresceu, e teve uns envios aqui, mandando e-mail, eu estou falando de tal coisa, eu vou resolver tal coisa. Eu acho que é o tempo todo esse radar, e é um exercício difícil, eu não estou dizendo que ele é fácil, mas ele precisa ser feito. Eu não gosto muito dessa pergunta quando as pessoas me fazem, mas quando alguém fala, afirma muito categoricamente: “o gestor de design tinha que estar fazendo tal coisa”, ou alguém fala: “eu, como gestor, eu não vou colocar a mão na massa. Isso já passou para mim, já passou a minha fase”.

Esse é um ponto bem importante.

Letícia Pires – O que eu quero dizer que eu não gosto da pergunta, porque para mim é um indicador de que essa pessoa tem expectativa de que ela vai estar ou só num lugar, ou só no outro. Eu acho que o designer é muito mão na massa, tem horas que você vai precisar entrar em detalhes, porque, na verdade, é o seu olhar. Eu brinco que… não sei, não tem velocidade mínima, mas eu não aprendi Figma, eu sou uma pata no Figma, mas tem horas que eu vou precisar fazer uma arte, isso é mão na massa, mas draft eu estou fazendo como ferramenta para falar com alguém alguma coisa que eu estou visualizando, que eu quero que ela visualize o que eu estou falando. Qual é a sua classificação? “Isso é através do gestor, fazer wireframe não é. Fazer um draft não é um trabalho do gestor”. Como não? Se é uma ferramenta que eu tenho para as pessoas entenderem a minha comunicação. Se você entende o trabalho de gestão, da disciplina do time de design como “eu faço só as tarefas de coordenação de pessoas que se aproximam de RH, DP”, eu acho que você está perdendo uma oportunidade aqui de contribuir com o que realmente é o seu background, que é design. Eu acho que a gente precisa navegar nisso, sem essa pira de ficar classificando. Tem horas que você vai precisar sentar, organizar um documento em cima de uma proposta de como a gente está tangibilizando tal fluxo, tal árvore de arquitetura. Do jeito que eu vi ali, não achei muito bom, então, vou fazer uma aqui paralela. É claro que, como gestores, a gente tem que se treinar muito para não ficar dando soluções, você tem que fazer provocações para a galera chegar lá na solução, mas tem horas que você precisa ter alguns artifícios para a sua comunicação ser melhor, precisa colocar a sua ideia, o conceito em que você quer chegar. Por isso que eu falei que é uma resposta cretina.

Eu concordo com você. Acho que a ideia é justamente essa, você tem o seu papel de gestor, mas também você tem que saber guiar quem você está gerindo. Muitas vezes, acaba que o gestor tem que ir lá e meter a mão na massa. Para fechar, eu queria saber se tem alguma coisa que a gente deveria ter perguntado, mas não perguntou? Tem alguma pergunta que a gente deveria ter feito para você, mas não fez?

Letícia Pires – Essa pergunta é bem difícil. As perguntas não foram fáceis, a conversa não foi moleza, e aí para fechar com chave de ouro “qual a pergunta que eu não te fiz?”, meu Deus.

Agora você pode dar o seu recado. O que você quer dizer para o mundo?

Letícia Pires – O meu recado, para quem está se aproximando do design, que está curtindo muito aprender a ferramenta tal, no curso tal, estude também a história do design, entenda porque esse negócio surgiu, como surgiu, quem são as pessoas que formaram essa disciplina, leiam coisas complementares. Acho que isso está faltando para a gente, num todo. Me entristece ver o esvaziamento da disciplina e essa redução de que a disciplina é só uma coleção de ferramentas. Esqueci o meu recado, é o recado dever de casa.

Se você quiser saber mais, acompanhe a Letícia, faça o curso com a Letícia, a Letícia também tem o curso.

Letícia Pires – É verdade. Aprender é uma escola relativamente nova de design, a proposta é trazer os designers do mercado, para praticar, para aprender ferramentas, pegar conceitos e aplicar na vida real. Isso é bem interessante. Eles me fizeram o convite e eu topei fazer um curso de liderança de times, gestão. Mas é claro que a gente tem que falar um pouco de liderança quando a gente fala de gestores de design, coordenadores de design. E aí rolou em março, foi muito legal, foi muito bacana. E tem um monte de gente já me escrevendo, tipo: “quando vai ter a segunda turma?”, eu não sei quando vai ter a segunda turma, porque foi uma surpresa para mim, foi um pouco do pensamento “vamos tentar e vou aprender”, porque eu não sou professora, eu não estudei, não tenho mestrado, não tenho didática. Gosto de falar pra caramba, gosto de dividir, gosto de facilitar algumas dinâmicas, mas não sou professora. Então, rolou o curso na Aprender, eu não sei quando a gente vai ter uma segunda turma, não me matem. A pessoa não sabe nem fazer a propaganda dela mesma. Mas enfim, é o momento que eu estou agora, não tenho um cronograma, então não posso me comprometer aqui que vai ter, eu quero que tenha, mas eu preciso me organizar para saber quando vai ser. Falando de Quinto Andar e falando de compartilhamento de experiências, porque eu acredito muito nisso, a gente é um mercado super recente, falando do Brasil, falando de fora mesmo, como o design está inserido nas empresas de tecnologia, então eu tento manter um compartilhamento do que eu aprendo no Medium e o time do Quinto Andar também, a gente tenta dividir coisas que a gente aprende lá dentro com mais designers também no Medium, a gente também tem o Instagram, no LinkedIn também eu posto algumas coisas. Acho que é isso. Quem me escreve eu tento manter uma conversa, às vezes, não dá para dar conta de tudo, mas eu também tento sempre que possível trocar com as pessoas, quando elas estão curiosas em relação a alguma coisa, me procuram, eu tento criar essas conversas. De novo, muito obrigada pelo convite, foi um prazer participar do projeto de vocês, conhece-los finalmente. Carinha remota, é o que dá para a gente fazer hoje, mas foi um prazer, foi muito legal a conversa.

Agradece e encerra.


Indicações de livros:

  • Design para um mundo complexo
  • Design is storytelling
  • Designing interactions
  • Do design thinking ao design doing
  • Isto é Design Thinking de Serviços: Fundamentos, Ferramentas, Casos
  • Design e Desenvolvimento: 40 Anos Depois
  • O Design Brasileiro Antes do Design
  • Change by Design: How Design Thinking Transforms Organizations and Inspires Innovation