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TEMPORADA 1 - EPISÓDIO 3

Raphael Farinazzo

Temporada 1 Episódio 3 – Raphael Farinazzo
PROJETO: Desenhando Produtos

Raphael Farinazzo é Group Product Manager na Xerpa; sócio do Camp Experience (Product Camp, Product Stars, Growth Camp); e co-fundador do Product Fast Track, programa de aceleração de carreira em Produto. Com mais 15 anos de experiência em marketing e tech, já passou por AgileContent, Resultados Digitais e Involves construindo, escalando e liderando times de produto.

Participação especial de Wesley Rocha nesse episódio.

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Vamos conversar com ele, ele é um dos criadores do maior evento de produto do Brasil. Ele já foi head de produto e hoje é líder de gestores de produto Growth product manager na Xerpay, Raphael Farinazzo. 

 

Raphael Farinazzo – Eu sou formado em marketing. Eu comecei a minha carreira como redator publicitário, depois de um tempo trabalhei com planejamento de campanha também. Comecei off-line, acho que isso entrega um pouco a idade. Depois eu fui empreender com o software, depois que empreendi com o software, isso deve ter sido em 2009, 2010, nunca mais parei de trabalhar com tecnologia de frente. Virou uma paixão. E acabei me entregando para o caminho de produto, em algum momento ali entendendo que eu queria dominar um pouco mais sobre o resultado, o impacto gerado no cliente, o valor que estava sendo entregue, então foi super natural ir para esse caminho de produto. Passei por algumas empresas, eu tive o prazer de trabalhar na RD com o Josias e com o Wesley, depois trabalhei na Involves, uma startup orientada a trade marketing de Floripa também. Agora eu estou na Xerpay vivendo a realidade de fintech, que é uma novidade na minha carreira, então estou gostando pra caramba, já estou há 8, 9 meses, eu acho, e estou curtindo pra caramba.

 

Fala como é ser criador de um dos maiores eventos de produto do Brasil, o Product Camp?

 

Raphael Farinazzo – A minha participação na criação do evento foi participando dele no primeiro ano, o criador mesmo, o pai do evento é o Marcelo, pai solteiro, inclusive. Só que eu morava em Floripa na época, e tinha poucas vagas no evento, e eu querendo ir. Eu entrei em contato com ele, eu nem o conhecia, eu falei: “oi, tudo bem, Marcelo? Eu moro em Florianópolis, eu vi que tem poucas vagas, você não está reservando vaga, mas eu não vou reservar passagem e hotel para correr o risco de chegar aí e dar com a cara na porta”, ele falou: “beleza, sendo assim, eu reservo o seu lugar aqui. Pode vir”. Quando acabou o evento, eu falei “no mínimo eu tenho que ir lá agradecer o cara”. O evento foi animal, foi com 150 pessoas, se não me engano, mas foi muito legal, foi muito diferente de todos os eventos que eu já tinha visto ali, porque eles mais orientados a tech. Eu fui lá agradecer e surgiu uma grande amizade. 10 anos depois ele me chamou para ser sócio com ele. Mas eu me sinto, não um dos criadores, mas talvez um pai adotivo, porque eu fui em todas as edições, eu fui na primeira, palestrei na segunda, coordenei conteúdo na terceira. Então, me sinto mega envolvido. Mesmo antes de ser organizador, ter ajudado a construir o Product Camp, ajudado o Product Camp a chegar aonde ele chegou hoje.

 

Eu fico muito feliz de ver isso. É muito legal ver esse tipo de conteúdo sendo criado e produzido aqui no Brasil. O Marcelo era PM no Nubank?

 

Raphael Farinazzo – Acho que a última aparição dele CLT sim, foi Nubank. Passou pela Catho também.

 

Uma dúvida que, às vezes, eu fico, porque muita gente também pergunta e pede para explicar o que é um PM, o que faz um PM. O que é um Product Manager? Um gerente de produto? O que faz um Product Manager?

 

Raphael Farinazzo – Acho que tem várias respostas para essa pergunta, e cada vez que me perguntam ela, eu dou uma resposta um pouco diferente. A minha resposta favorita é… eu sempre esqueço o nome do cara que publicou isso, é que uma das principais responsabilidades de um PM é que ele é responsável pelo ritmo e pela qualidade das decisões de produto que são tomadas. Então, tira um pouco aquele viés de que PM é decisor, é a pessoa que vai dar a decisão e dizer para todo mundo o que tem que fazer. Eu não vejo dessa forma, eu vejo da forma como, é a pessoa que vai trazer contexto para o time, contexto sobre as metas da empresa, sobre aquilo que a empresa está se comprometendo a atingir, a visão aonde ela quer chegar, a estratégia, enfim, uma série de coisas. Contexto sobre o problema do usuário, contexto sobre o mercado, contexto sobre uma série de coisas, e o time vai se guiar ali, vai tomar uma decisão. Sendo um time multidisciplinar, que tem, no mínimo, design e engenharia, o time vai ter que tomar a decisão a respeito do que tem mais valor para o usuário, o que é usável, o que é fácil de usar, de operar, o que é factível de ser construído e o que é viável para o modelo de negócio da empresa, tem que parar de pé, tem que dar retorno. Esses quatro riscos são de valores, usabilidade, factibilidade e viabilidade. Pensando nesses quatro riscos, são praticamente os quatro pilares ali de uma decisão de produtos, tem a pessoa que vai trazer contexto para que as decisões sejam tomadas no ritmo certo, porque se você tomar decisões muito afobadas, você tende a fazer muita besteira, mas também se você demorar muito a concorrência inteira vai passar na sua frente. E para que as decisões, além do ritmo certo também tenha qualidade esperada. Ou seja, atinge um resultado, seja esse resultado uma métrica, seja esse resultado um aprendizado. Às vezes, você está fazendo um experimento rápido ali, o resultado que você quer é aprender alguma coisa sobre o usuário, trazer algum dado, alguma informação nova para tomar uma decisão melhor depois.

 

Só uma dúvida que ficou no meio do caminho, você falou dessa questão do contexto, trazer o contexto para o time. Você acha que isso seria só uma responsabilidade do PM ou você acredita que todos estão envolvidos nessa questão do contexto?

 

Raphael Farinazzo – Certamente é algo construído por todo time. Então imagina que eu trago um contexto ali de negócio, de valor de usuário que veio de uma entrevista, ou que veio de alguma pesquisa, uma investigação, que traga para o meu time e fala: “a gente, de repente, poderia tentar resolver esse problema de tal maneira”, e a pessoa de engenharia vai me trazer o contexto novo, ele vai falar: “não, você está falando isso, mas você não tem o contexto de engenharia. Se a gente quiser resolver de tal maneira, a gente tem tal legado aqui, tem esse débito técnico. Tem o fato de que a arquitetura não prevê que seja feito desse jeito. Então, desse jeito não dá”, ou seja, eu trouxe um contexto, mas quando eu recebi de volta um contexto de engenharia que eu não tinha até então, diante disso que a gente vai somando ali todos os contextos para ter cada vez mais uma imagem nítida do cenário, e diante dessa imagem a gente tomar a decisão do que a gente vai alterar no software. É basicamente isso que a gente está fazendo, a gente está alterando um software, esperando que aquilo altere um comportamento do usuário, melhore a vida do usuário. A gente nunca sabe com certeza se o que a gente está fazendo vai gerar o resultado que a gente espera.

 

Outra terminologia que eu escuto muito é PO. Muitas vezes eu vejo que a similaridade ou a interposição, ou a sobreposição… eu não sei bem como a gente pode exemplificar isso, mas na sua visão, qual é a diferença básica de um Product Owner e de um Product Manager?

 

Raphael Farinazzo – Eu acho que tem duas maneiras de analisar, primeiro o nome, segundo a responsabilidade. Acho que o nome tem um aspecto específico de que algumas empresas não vão colocar o nome Manager para uma pessoa que é contribuidora individual, por uma questão de tabela salarial, de plano de cargos e salários, etc. Então, por conta disso já não dá para chamar de Product Manager alguém que seria analista de produto ou algo do tipo. Quanto a isso, é só uma questão de nome, mas claro, tem a questão de responsabilidades também. Por que eu estou falando do nome? Porque eu vejo Product Owners fazendo trabalho de Product Manager na prática, ele só tem, talvez, o nome errado, porque a empresa não quer chamar de manager, tudo isso. Além disso, tem a questão de responsabilidade também. Se você pensar que trabalho de produto se desenvolve hierarquicamente, começando de uma visão de produto, que é onde você quer chegar em 3, 5, 10 anos, passando por alguma estratégia, que é como você quer chegar lá e o que você está deixando de fora desse produto, diz muito sobre a sua estratégia, vai se desdobrar em grande terreno de oportunidades, porque depois que você define a estratégia, é como se você secasse o terreno e falasse “eu vou explorar esse terreno, vou ver se tem petróleo, vou ver se dá para plantar soja, vou ver se dá para criar gado. Esse é o meu terreno, eu não posso fazer nada fora dele”, dentro dessas oportunidades, você pode ter uma série de investigações de mercado, de usuário, de concorrência, de tendências, de tecnologia. Dali em diante, você vai definindo como você quer avançar para conquistar os seus objetivos. Tem uma hora que isso tudo vira para dentro de um squad, que aquilo começa a ser tornar definição de escopo do que vai ser construído, definição, mais ou menos, de qual é o prazo aceitável pela empresa para a gente entregar esse negócio, porque se demorar demais a concorrência passa na sua frente. Enfim, aqueles pilares de projeto mesmo: escopo, tempo, custo, qualidade, risco. A partir do momento que você já está desenhando o que vai ser feito, você começa a ter algumas habilidades mais de projeto, até chegar lá, no caso de uso novo, vou dar o exemplo da cor do botão, mudar a cor do botão daquela tela, da visão de produto até a cor do botão existe uma diferença hierárquica. Não quer dizer que um é melhor do que o outro não, mas uma diferença hierárquica no sentido de organizar o pensamento, como se fosse fazer um mapa mental. E eu vejo o trabalho de produto, de Product Managers, de gerentes de produto mais no intermediário ali dessa hierarquia, enquanto eu vejo o trabalho de Product Owners mais perto da planta, da folhinha do que da floresta, mais perto da questão mesmo de desenhar escopo, buscar os requisitos de negócio, garantir que os requisitos vão ser cumpridos, a definição de pronto de uma tarefa, passar uma régua ali e falar: “esse primeiro lançamento vem até aqui”, e ajudar o time ali a atingir esse objetivo de curto prazo, que é entregar aquele escopo, garantir que aquilo não vai sair totalmente diferente do que foi idealizado. Aí eu vejo mais o papel de Product Owner. Com a ressalva da questão do nome, que também vejo o contrário, eu vejo Product Managers sendo eleito no papel de Product Owner e, às vezes, esquecendo de olhar para a tática e estratégia.

 

Você comentou no início, nós trabalhamos juntos na RD durante um bom tempo, em 2016, 2017, 2018. Eu, você, o Wesley, o Salva. E a gente viu na prática isso, o relacionamento entre Product Managers e designers, ou Product Designers, ou UX Designers. Na sua visão, como o Product Manager se relaciona com o designer? Quais são as características que você vê, comportamentais e técnicas, que ajudam uma pessoa designer a se relacionar com o Product Manager?

 

Raphael Farinazzo – Eu gosto bastante da sobreposição desses dois papeis. Eu acho que quando tem uma tentativa de separar ou de passar uma linha na areia e evitar a sobreposição, eu acho ruim, porque eu acho que tem coisas que ambos os papeis desempenham. Por exemplo, entrevistar o usuário. De jeito nenhum que eu vou abrir mão de entrevistar o usuário, e jamais privaria o designer do meu time hoje, o Guilherme, de entrevistar o usuário também, que não faz sentido nenhum, a gente precisa daquilo. Então, algumas técnicas de pesquisa quântica, claro que tenho que ter ali uma sobreposição de papel, está ótimo, a gente tem que abraçar isso. São coisas importantes demais para serem feitas por uma pessoa só. A gente deveria sim abraçar essa sobreposição. No dia a dia eu já tive boas experiências e experiências ruins com designers, e já tive experiências ruins que se tornaram boas também. Acho que no geral é a gente entender, o modelo dos quatro riscos ali que eu citei antes, do que tem valor, do que é usável, o que é factível de ser construído, o que é viável para o negócio, para a empresa, esse modelo ajuda a abraçar essa sobreposição de área necessária. Então, carente na questão de usabilidade, e não confundir só com essa questão de usabilidade, no sentido de, teste de usabilidade, mas sim, o que o usuário consegue usar, desde que precise de fluxos, de interface. Isso é claramente uma disciplina de designer, é algo que é disciplina de designer, como especialista naquilo. Então, o valor para o usuário tende a ser já uma sobreposição de design e produto. Encontrar o que tem valor para o usuário, é claramente uma sobreposição. E por um lado, viabilidade para o negócio, tende a ser algo mais para a especialidade de produto. Isso é uma regra? Uma lei? Obviamente não, porque depois que você define os papeis das cadeiras, pessoas sentam nessas cadeiras, e pessoas são boas ou ruins em algumas habilidades, e podem, portanto, tropeçar, às vezes, é uma falta de habilidade da pessoa que está na cadeira ao lado. Mas, de maneira geral, viabilidade para o negócio, tende a ser uma coisa do papel de produto. Hoje, por exemplo, na Xerpay, quem vai conversar lá com o jurídico para saber se aquela ideia que a gente já tem embasamento jurídico, sou eu com o produto. Quem vai conversar com finanças, com o controller, para entender a modelagem financeira daquele negócio, puxar essas pessoas para dentro do time para fazer uma modelagem financeira do produto, sou eu. Tem toda essa parte de viabilidade, eu tenho que fazer um negócio que dá lucro para a empresa, tem que fazer um negócio que juridicamente tem que ser permitido pela lei, e que faça sentido para o marketing. O marketing no sentido de posicionamento, da maneira como está posicionando o produto, puxar essa galera para dentro da criação, falar: “a gente está pensando em construir algo nessa linha. Como a gente geraria demanda com isso? A gente poderia fazer uma campanha, isso mudaria, de alguma maneira, a forma como a gente gera leads, gera oportunidades de clientes, de contatos”, eu vou puxar vendas, para entender como é o discurso de vendas atual, isso seria atualizado ou não. Embora, essa parte mais do dia a dia, seja para marketing de produto, não só de produto. Então, eu vejo a viabilidade como algo mais de produto. Vejo o valor para o usuário como algo mais de sobreposição dos papeis. E usabilidade, experiência de uso, mais do papel do designer. Claramente, factibilidade de ser construído é papel de engenharia mesmo, eles são especialistas nisso. Como eu não tenho back front de engenharia, nunca programei, eu acabo só tentando fazer as perguntas certas para eles tomarem as decisões melhores.

 

Tem uma brincadeira que a gente faz, de vez em quando, que ela pode soar um pouco como uma divisão. Mas o pessoal brinca muito falando “PM é o problema e designers são a solução”. Como você interpretaria essa brincadeirinha que a galera fala?

 

Raphael Farinazzo – Acho que essa brincadeira é um problema e a gente deveria achar uma solução para ela. Faz sentido uma pessoa identificar um problema e outra pessoa resolver? Primeiro, precisa ter uma passagem de informação, quase sem nenhum tipo de perda, a gente sabe que todo processo comunicação tem perda. Só de eu falar essa frase, 200 mil pessoas vão ouvir esse podcast, eu espero, 100 mil vai entender de um jeito, 100 mil vai entender de outro. Todo processo de comunicação tem perda. Faz sentido uma pessoa chegar e ficar aprofundando, no meu entendimento do problema, depois falar assim: “Em 2 horinhas de reunião aqui, eu vou te passar tudo o que eu entendi do problema e você cria uma solução”, eu gasto 1 mês investigando, você gasta 2 horas ouvindo o resumo de 1 mês de investigação. Tem alguma chance de você criar uma solução decente para esse problema? É até maldade para o seu papel de designer. O quanto antes tiver os dois papéis envolvidos no estudo do problema profundamente, no entendimento do problema, melhor. E depois, na hora de desenhar a solução, é claro que desenhar produto é essencialmente uma tarefa de Product Designer, mas eu também me envolvo pra caramba, eu gosto de me envolver. Acho que é uma questão de como você faz isso. Eu sempre deixo claro para o Gui, o designer, que é um cara excelente, inclusive, adoro trabalhar com ele, que assim, você é o especialista, encare isso como uma sugestão, encare isso como uma dica, um insight, uma ideia, mas o que você me apresentar de volta, em termos de fluxo, de experiência de tela, eu tendo a aceitar. Tem um ponto legal, a pessoa te traz a proposta de solução. Quando eu olho aquilo, um exemplo hipotético, eu listo umas 10 coisas que eu penso: “cara, ele precisa pensar nessas 10 coisinhas aqui”, e eu levo esses 10 pontos para ele, um por um, e ele vai mostrando para mim que, ou ele já refletiu sobre aquilo, ou se ele não refletiu, aquilo está, mais ou menos, coberto e o risco é baixo. Se acaba os dois argumentos, ele continua dizendo assim: “cara, eu ouvi todos os seus argumentos, todas as suas sugestões, ainda assim estou confiante de que essa decisão que eu estou tomando aqui é a melhor”, só me resta confiar, ele é o especialista. Uma coisa é você confiar cegamente, outra coisa é você confiar assim: eu levantei todos os pontos, ele tinha a resposta para alguns, para outros ele falou “cara, esse eu não tenho resposta, mas prefiro arriscar. Ainda estou seguro de arriscar do jeito que eu estou propondo”, aí entra num ponto de confiança também. Ele também tem a responsabilidade dele como designer, se ele está seguro, mesmo diante de todos os pontos que eu levantei para ele, de que com o repertório dele, com o conhecimento dele, aquela ainda é a melhor opção, nada mal. Aí tem uma coisa que eu gosto bastante, que o Jeff Bezos da Amazon fala, que é discordar, mas se comprometer. E eu vou adotar isso com ele, provavelmente. Eu vou falar: “eu ainda discordo, mas eu me comprometo a ajudar essa sua ideia ter sucesso”. Mesmo eu discordando, eu entendo que é importante para o time que essa ideia dê certo, então eu me comprometo a fazer o meu melhor para que essa ideia dê certo. Ao invés de, eu ficar passivamente, tipo assim: quando eu discordo, eu não vou fazer nada, deixa dar errado e quando der errado, eu entro como o salvador da pátria. Não é legal. Ou pior, quando eu discordo eu vou trabalhar para que dê errado. É pior ainda. Eu acho que essa questão de discordar, mas ainda assim se comprometer pelo time, a fazer dar certo, é o que vai, lá no fim das contas, nessa tríade de produto, design e engenharia, quando nenhum argumento mais resta, só o que você pode fazer é discordar e se comprometer a ajudar.

 

Então, no geral, todos nós somos o problema e todos nós somos a solução?

Raphael Farinazzo – Certamente.

O Wesley falou um negócio legal, ele começou contando assim: “Tem uma história que ele detalha o problema e o designer faz a solução”, que tem uma interposição de papeis ali, e quanto mais essas pessoas trabalham com sinergia, melhores são as soluções ou melhores são o detalhamento dos problemas que, de fato, vão entregar valor para o negócio e para o usuário. E quando há uma rixa entre essas duas posições, entre designer e PM, isso de alguma forma compromete a entrega, de alguma maneira. Tem a questão do, “eu me comprometo, mas por baixo eu estou tacando pedra na sua ideia, tacando pedra na sua iniciativa”. Como você vê esse relacionamento? A importância de ter uma sinergia muito boa entre o PM e o designer? Ou ter uma divergência de ideias muito grandes ali? No papel de gestão, olhando do ponto de vista, como você vê num time isso? E qual é o papel de gestão, do tipo: Como eu faço para alocar as pessoas que vão produzir mais e vão ser, de fato, até mais felizes trabalhando com o produto?

 

Raphael Farinazzo – Essa questão da confiança é super séria. Eu sou um pouquinho desconfiado, por natureza, mas quando eu estou liderando alguém, como é o caso hoje da Xerpay, como é o caso da Involves, a pessoa acabou de chegar na empresa, por exemplo, eu sempre falo assim: “eu não espero que ao te dizer que você pode confiar em mim, que você vá confiar em mim”, então, ao invés de eu te pedir para confiar em mim, eu vou te pedir para você se manter aberto às constantes demonstrações que eu vou te dar de que eu sou uma pessoa confiável. É muito melhor assim. Deixa a gente construir essa confiança ao longo do tempo, eu vou te demonstrar que eu sou uma pessoa confiável e que você pode contar comigo, porque eu não vou ficar te apedrejando pelas costas, puxando o seu tapete, mas pelo menos, se mantém aberto para ver que eu estou mostrando para ti que eu sou confiável. E a gente vai construir uma confiança ao longo do tempo. Eu caí de paraquedas num squad, com uma pessoa que eu nunca trabalhei junto na posição de designer, algumas pessoas que eu não conheço na posição de engenharia, e chega no squad e fala assim: “galera, vamos construir um squad de alta performance, a gente vai jogar como se fosse por música”, a gente nunca jogou junto, como vai ter esse entrosamento? Não vai, é uma coisa que precisa ser construída. De quem é a responsabilidade de construir esse entrosamento? De todo mundo. Não é de PM, não é designer, não é engenharia, é de todo mundo. Então, à medida que vai se construindo essa confiança, claro que o time vai desempenhar melhor. Tem combinações de pessoas que, às vezes, você está se arriscando muito, em achar que essas pessoas vão conseguir ter um clima de trabalho bacana. Talvez, o exemplo mais comum seja a oposição entre colaboração e competição. Quando tem três pessoas competitivas ali no squad e uma pessoa colaborativa sozinha, vai dar errado. E tem espaço para a competição, não estou falando mal da competição em si. Eu estou ainda sendo mais colaborativo do que competitivo, mas eu ainda acho que tem espaço para pessoas competitivas, com certeza. Às vezes, até em produto mesmo dentro do squad, traz aquela garra de gerar o resultado contundente, de ganhar da concorrência. Eu brinco assim: “Da porta para fora seja muito competitivo, da porta para dentro seja colaborativo”, claro que no dia a dia é difícil a gente dosar. Eu acho que a construção de time é toda uma arte. A galera acha assim: “vou contratar um monte de gente sênior e vai ser o melhor time do mundo”, não é. A gente vê que até em esporte não é assim que funciona, não é sempre o time das estrelas, dos melhores, que é campeão. Às vezes, um time de garotada da praça que acabou de virar profissional, ganha título, porque é o conjunto, porque é o quanto aquela galera conseguiu construir ali um ambiente bacana, um clima de abertura, feedback é essencial. Eu não sei se em time de futebol tem uma abertura feedback, igual a gente vê, às vezes, em squad de produto. Mas abertura a feedback é essencial. Se eu não puder dizer para o Josias, que é designer, “pô, Josias, isso que você fez não está legal”, o Josias não vai crescer, eu estou sendo egoísta em não dar feedback para ele, porque eu não estou dando uma oportunidade de ele crescer, e o time não vai crescer. Se o time não crescer, consequentemente, eu também não vou crescer. Então, o meu egoísmo está me prejudicando, porque ainda que eu quisesse crescer e ser o melhor, eu estou fazendo algo que está prejudicando o meu crescimento. Agora, do ponto de vista de gestão, é isso, é tentar olhar para as pessoas que você acredita que pode se dar bem juntos, e agir rápido. Não trocar, trocar é o último recurso, trocar de squad. Mas agir rápido, quando você vê que existe um problema, conversar. Às vezes, tem um problema numa instancia superior também. Por exemplo, eu e o Wesley somos designers de um squad, só que o meu chefe e a chefe do Wesley não se dão bem. Aí vai dar problema, porque eu posso ser amigo do Wesley, posso ser brother do Wesley, vai dar problema, porque a chefe dele vai pedir uma coisa, o meu chefe vai pedir outra coisa e quando a gente tentar executar o que os nossos chefes estão pedindo no nível de squad, a gente não vai conseguir se entender. E aí é mais difícil, eu acho que você tem que ver o quanto você consegue influenciar para que essas duas lideranças se reconciliem, se entendam. Ou no nível de squad ter um nível de parceria com o Wesley ali, falar: “Wesley, vamos entregar cada um de nós o que eles estão pedindo, mas aqui dentro do squad vamos fazer o negócio dar certo”. Aí a coisa pode andar também. É uma série de habilidades interpessoais ali, de comportamento, que influencia.

 

Eu acredito muito nisso também, e nessa autonomia das pessoas em si, dentro das squads. Para mim, é essencial para sobrevivência. Eu falo porque eu preciso dessa autonomia para sobreviver. Para mim, o Farinazzo foi o PM mais próximo que eu tive ali, dos trabalhos junto com designers. E era muito legal os debates e os questionamentos, porque eles iam e voltavam, da mesma forma que ele me questionava a questão da solução, eu senti e tinha a liberdade de questionar: “tá, beleza, mas qual é o nosso objetivo? Porque a gente tem um problema, mas não está claro, às vezes, o que a gente tem que atingir”. Eu até lembro de o Farinazzo ter desenhado um quadro bacana de adoção, que aí ficou muito claro qual era o nosso objetivo. Ficou muito bacana o nosso papo. Só estou dando aqui o depoimento de como essa proximidade é super benéfica para o time, para as pessoas em si, e também para o projeto que a gente está tocando. Valeu aí, cara, pela proximidade naquela época. Eu tento puxar isso todos os dias com toda a galera lá.

 

Raphael Farinazzo – Maravilha. Obrigado pelo feedback. Só fiquei saudosista quando você falou do quadro, porque o home office me dá uma saudade de escrever na parede, no vidro, claro. É muito gostoso você chegar na sala, pegar uma caneta, escrever no vidro ali, desenhar, apagar. No final eu tiro foto, eu nunca olho a foto depois. O processo de desenhar é mais importante do que o resultado do desenho. Eu gosto bastante.

 

Queria mudar um pouco o rumo da conversa para entender um pouco mais o cenário que você está inserido hoje. Para mim, eu sou muito mais cliente do que product, que é o cenário de fintech, que tem uma diferenciação muito clara, em relação a bancos, e que tem desafios completamente diferentes daqueles… eu já experimentei em empresas que eu trabalhei, provavelmente você já experimentou em empresas anteriores. Você está na Xerpay hoje, o que mudou na sua carreira trabalhando em fintech?

 

Raphael Farinazzo – Duas coisas são bem curiosas, eu citei antes do jurídico para o financeiro, eu acho que de todos os lugares que eu trabalhei, eu nunca conversei tanto com advogado e controller, e CFO até. A nossa CFO é super aberta, adoro ela, a gente tem várias conversas super legais. E acho que eu nunca tinha conversado tanto com CFO, com analista financeiro e advogado dentro de uma empresa. Porque a Xerpay, além de ser uma fintech, a gente está no meio das duas legislações mais complicadas do Brasil, a financeira e a trabalhista. Porque a gente é um benefício financeiro que os RHs oferecem para os funcionários, então toda hora eu preciso saber, “no trabalhista isso aqui passa? No financeiro isso aqui passa? Isso aqui é possível? Isso aqui não é possível?”. Imagina você tentar inovar num negócio, no meio de leis da década de 40, década de 50. Não desmerecendo, não vou nem fazer um juízo de valor da lei, mas sim dos fatos de já terem passado 80 anos, 70 anos de que a lei foi escrita, provavelmente quem escreveu não previu cenários de 2020. Tem muita coisa que, não é que está proibido, mas que não está regulamentado, você não sabe nem o que fazer, que na época ninguém pensou nisso. E aí você vai para o advogado e fala: “e aí? O que dá para fazer? O que não dá para fazer?”. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto, que mudou muito também, é a questão de segurança, não só de LGPD, mas de segurança mesmo de vazamento de informação, e tudo mais. Antes, “vou subir aqui uma pesquisa no, vou jogar dentro do software”, não posso ser louco nesse sentido, porque a gente tem o trânsito de informações sigilosas, etc. Para você ter uma ideia, eu não tenho acesso ao salário das pessoas, eu não tenho acesso a quanto de dinheiro elas têm, quanto de dinheiro elas usaram. Então, eu tenho que, às vezes, fazer estudos com falta de dados, ou eu peço para o time de segurança e eles me entregam dados anonimizados. Por exemplo, eu quero saber a faixa salarial dos meus usuários, ele vai falar: “até R$ 1.000 tem tantas pessoas, de R$ 1.000 a R$ 2.000 tem tantas pessoas, de R$ 2.000 a R$ 3.000 tem tantas pessoas”, às vezes, alguma outra subcategoria ali, por exemplo, “mora na capital, mora no interior”, algumas coisas que você quer fazer uma distinção. Porque, claramente, uma pessoa que ganha R$ 4.000 numa cidade do interior e uma pessoa que ganha R$ 4.000 em São Paulo, são pessoas que têm hábitos de compras totalmente diferentes. Quando eu preciso desses dados, eles já vêm para mim formatados e organizados. Eu estava acostumado em outras empresas a fazer banco de dados, era uma delícia, eu adorava, eu falava: “me traz aí tudo que eu quero saber”, depois eu jogava tudo para o Excel e ficava filtrando até achar alguma coisa. O legal, o que isso melhorou para mim, é que se antes eu fazia, às vezes, umas analises exploratórias e vamos ver o que vem nos dados, agora eu preciso ter as perguntas muito claras, porque eles vão me mandar o CSB formatadinho com aquilo que eu perguntei. Então não adianta, “ah, deixa eu explorar aqui, ver se eu acho alguma correlação que eu nunca tinha pensado”, não, eu tenho que pensar, eu quero investigar se tal coisa procede ou não, qual é o volume disso aqui na base, aí eu peço, vou nos dados organizados e eu tenho que olhar para aquilo com bastante cuidado. E bastante cuidado em pedir também, ser muito explícito, muito específico naquilo que eu quero para não vir os dados que não respondem. Então, acho que é isso, essa questão de dados, o financeiro, o jurídico mudou bastante, mas claro que ainda tem o aspecto de startup. Recentemente, conversando com o Cesar, que é o meu CPO, eu falei para ele: “cara, eu estou pensando em ir por esse caminho, mas eu vou colocar no limite aqui, porque se der algum problema é bom a gente ter um certo limite”, ele falou: “não, cara, dá para ser ousado, vamos ousar”, não é nada político legal, era realmente um limite de valor ali num certo ponto. Eu falei: “as pessoas digitam errado, pode dar algum problema”, ele falou: “não, vamos bancar isso aqui, vamos ter ainda a ousadia de uma startup”, e fazia muito sentido. Eu até queria fazer do jeito que ele estava colocando, mas eu pensei: “acho que é melhor eu ser cauteloso, porque eu nunca trabalhei fintech, eu vou ser cauteloso”, ele falou: “não, manda bala”, foi logo nos primeiros meses que eu estava. Então, acho que também não perder essa questão de que, apesar da legislação, de tudo mais te amarrar, tentar ir além do que o tradicional está indo.

 

É muito louco isso, porque antes de a gente começar o nosso papo, o Wesley acompanhou ali, ele recebeu uma ligação do banco, dizendo que às 01:00h da manhã tiveram duas compras, tantos mil reais, queria saber se tinha sido eu ou não. Eu fico imaginando a complexidade que é trabalhar com o produto que tem esse impacto na vida das pessoas. Porque você pode ferrar a vida financeira da pessoa, da pessoa tomar uma ré ali e ela ter bastante dificuldade de reverter isso. Tem a questão da reputação, que aquilo gera um histórico para a pessoa, que muitas vezes pode inviabilizar uma negociação futura. E tem um terceiro ponto, que é o abalo psicológico da pessoa. Até aquela situação ser resolvida, imagina a tempestade mental, que não é numa pessoa que tem algum prejuízo sério ou alguma perda séria. Eu não tenho muito repertório para fraude. Você já teve alguma experiência nesse sentido?

 

Raphael Farinazzo – Sobre fraude, especificamente, não. Eu estou um pouco distante desse squad. Mas tem uma coisa, já que você tocou na questão do abalo emocional, que foi super tocante para mim. Nas experiências passadas, eu entrevistava os usuários perguntando sobre estratégia de marketing digital, sobre posicionamento de produto na gondola e taxa de preço. Agora eu pergunto para as pessoas sobre a situação financeira delas. Primeiro, é um choque de realidade, você entrevistar as pessoas sobre a situação financeira delas. Não é segredo para ninguém que o produto design e engenharia, toda a área de tecnologia, a gente vive uma realidade salarial totalmente distante do restante do Brasil. Então, a gente fazendo produtos de tecnologia e viver essa realidade salarial totalmente distante, vai entrevistar o usuário que muitas vezes está escolhendo qual conta ele vai atrasar esse mês. Isso para mim também foi uma coisa interessante de fintech, interessante no bom e mal sentido. Interessante assim, legal saber que eu estou trabalhando para melhorar para diversas pessoas, porque tem muita gente com bastante dificuldade, que isso foi um choque de realidade. Por outro lado, também me surpreendeu positivamente, do quanto as pessoas têm sido abertas em falar sobre isso nas entrevistas. Eu pensei assim: Eu vou recrutar o usuário para falar sobre a vida financeira dele, ele não vai falar nada, vai ficar com vergonha. Pelo contrário, você vai entrevistar o usuário, ele fala quanto ele paga de luz, de água, de internet, de aluguel, quanto ele ganha. Eu nem tenho acesso à conta dele, mas na entrevista, às vezes, ele abre: “eu ganho tanto, minha luz é tanto, meu aluguel é tanto, não sobra muito, peguei X mil reais emprestado com a minha mãe”, a galera super aberta. Ou seja, acho que é um assunto que as pessoas não estão vendo tanto como tabu quanto eu imaginava. É um assunto que as pessoas estão procurando saber mais, e isso me deixa muito feliz, porque eu acho que quanto mais você buscar conhecimento sobre finanças, sobre economia, melhor vai ser a sua vida, mas você vai estar no controle das suas finanças, entender o que está acontecendo com o seu dinheiro. Mas claro, por outro lado também me impressionou ter o contato muito mais próximo com essa realidade salarial, com essa realidade econômica, que não é a nossa. Como a gente pode ter um nível mais profundo de empatia, de entender a realidade dessas pessoas? E como a gente ajuda essas pessoas a sair dessa situação? Acho que não existe um universo em que todo mundo é o Bill Gates, mas eu acho que deveria ter, existe uma linha da qual o líder está abaixo. Se a gente, pelo menos, conseguir ajudar a tirar todo mundo que está abaixo dessa linha, já está bom.

 

Eu acho legal que a pergunta do Josias mostra o quanto ele é designer na veia. Eu vou inverter um pouco, quero entender o outro lado. Beleza, a gente está falando dos problemas que a gente acaba esbarrando e tentando resolver do lado dos clientes as dores, e tudo, esse sentimento e carga que tem ali. E do lado da empresa? Porque, querendo ou não, a empresa tem que sustentar, eu estou fazendo agora um papel um pouco invertido, apesar de ser designer, Ok, esse lado tem que sustentar para prover essas melhorias que a gente quer. O que você me diz dessa experiência? Como está sendo isso? Quais são os riscos? Porque as pessoas podem não pagar, pagar, tem problemas, e existe essa questão da segurança.

Raphael Farinazzo – Sem dúvida. A gente tem dados, tanto quantitativos, quanto de depoimentos qualitativos de que o que a gente está fazendo é bom, está melhorando a vida das pessoas. Isso já me dá uma certa tranquilidade. Porque se a gente pegar, esse bem que a gente está falando vai deixar de ser feito. Então, no mínimo, eu tenho que ter respeito pela saúde financeira da minha empresa, da empresa que eu trabalho, porque não é só uma questão egoísta de “vamos ficar todo mundo rico aqui”, é uma questão de que tem pessoas que só contam com esse dinheiro. Deixando claro, a gente não faz empréstimo, não é uma startup feita em empréstimo, a gente não tem nenhuma operação de crédito até o momento. O que a gente faz é adiantar um salário ou um décimo terceiro de algo que você já trabalhou. É como se você fosse um motorista de Uber ou taxista, você trabalha naquele dia e você ganha naquele dia. Vamos supor que você só recebe em dinheiro, no final do dia você vai ter o dinheiro de tudo aquilo que você trabalhou. O que a gente dá para as pessoas é essa possibilidade, se já passou 10 dias do mês, você gostaria de já ter 10 dias do seu salário adiantado na sua conta? Ou usar para pagar um boleto? Enfim. É só isso que a gente faz, a gente não empresta dinheiro, a gente traz para a sua posse algo que só chegaria no quinto dia útil do mês seguinte. A gente vê que tem pessoas que saem de um rotativo de cartão de crédito, que é um juros gigantesco, com o adiantamento de décimo terceiro. Então, eu tenho essa segurança de que o que eu estou fazendo é muito bom para as pessoas, se não fosse eu não trabalharia lá, porque eu não consigo trabalhar num produto no qual eu não acredito. Diante disso, só me resta pensar que eu preciso preservar a saúde da minha operação, para que a gente consiga continuar fazendo isso para essas pessoas, até por isso que eu disse o bem que a gente está fazendo para mais pessoas. Não é filantrópico, não é sem fins lucrativos, ou seja, tem fins lucrativos, obviamente, e acho justo, porque o nível de risco que os empreendedores estão correndo é enorme, e se der errado, a vida deles vai ter dificuldade para o resto da vida, e consertar todo esse erro, às vezes, pagar uma dívida pessoal, caso a empresa ter falido, etc. Então, acho que vale pensar que as pessoas estão tendo um risco enorme, e tentar criar um modelo de negócios que façam bem para as pessoas e que ajude as pessoas a estarem no controle da sua vida financeira. Então, isso me traz a responsabilidade gigantesca de não quebrar essa empresa, de tomar esse cuidado de que os nossos produtos tenham uma margem saudável de lucro, para que a gente consiga continuar existindo, não só existindo, mas inovando. Quem sabe quais são as boas ideias que a gente vai ter enquanto empresa daqui a 3, 5, 10 anos? Eu não sei, mas eu espero que elas sejam nossas, que elas melhorem ainda mais a vida das pessoas, do que as ideias que a gente já teve, que já estão funcionando hoje. Para isso eu preciso preservar a saúde da minha operação também, a longo prazo, não é só com a intenção de pagar as nossas contas no mês a mês, mas é de contratar pessoas inovadoras e criativas que possam ter ideias ainda melhores, fazer ainda mais bem para os nossos usuários. E digo isso, sem nenhum tipo de discurso de marketing, eu acredito mesmo nisso, é de coração.

 

Hoje na Xerpay você é GPM?

 

Raphael Farinazzo – Isso.

 

Na literatura a gente escuta falar muito sobre o papel do Group Product Manager como uma pessoa que lidera outras pessoas, e que o resultado, a entrega que essa pessoa faz para a empresa, depende muito do desempenho dessas pessoas, as quais ele está liderando, essa pessoa está liderando. No caso, pelo o que eu entendi, você tem um time também, além de liderar pessoas, você tem um time atuando também? Você atua em um time?

 

Raphael Farinazzo – Sim, tem os dois modelos no mercado de Product Manager, tem o modelo da pessoa que lidera, às vezes, uma tribo, que são os squads, comissões, afins, 3, 4, 5 squads, às vezes, mais até. E tem o modelo em que você tem o squad e lidera até duas pessoas, às vezes, três, mas até duas eu acho que é um bom número. Na Involves também tem esse modelo de você ter um squad e liderar algumas pessoas, e na Xerpay uso esse modelo também, que é o modelo do Martin Kay, ele apresenta esse modelo como um caminho intermediário, onde a pessoa do produto pode ter o gostinho da liderança e do squad, e decidir se ela quer seguir para o caminho de especialista, como Principal Product Manager ou de liderança pura como Red de produto, coisas do tipo. Hoje eu estou nesse papel híbrido também, que foi até um passo para trás, não no sentido de regredir, mas eu era Red na Involves, eu só liderava, não tinha squad. Então foi um passo, pelo menos, do ponto de vista de carreira, eu já tinha decidido só liderar, é como se eu voltasse para a situação de indecisão, se eu quero liderar o seu squad. Adoro liderar, gosto pra caramba do papel de liderança, é exatamente o que você falou, você opera por mãos alheias, e se as pessoas não forem bem, você não vai bem. O Martin Kay falou quando ele visitou a RD: “Você é tão bom quanto o seu pior produteiro do time”, para o Red, ele falou: “Você, como líder, é tão bom quanto o seu pior liderado”, porque quando você pensa numa corrente, ela quebra sempre para o lado mais fraco, não adianta você ter todos os elos muito fortes e um deles muito fraco, que a corrente não funciona, ela vai partir. É a mesma coisa na liderança, não adianta você ter um time muito bom que tem uma pessoa que está muito para trás, e você como líder tem que trazer essa pessoa para junto das demais. Ou tomar a dificílima decisão de desligar essa pessoa, o que nunca é a primeira opção, obviamente, é sempre a última. Mas eu tinha essa posição, eu gostava dela, mas de certa forma, tinham algumas coisas que faziam sentido para mim e eu queria voltar a ter um squad. Uma delas era a questão de produto financeiro, para mim fazia bastante sentido, e a outra foi o fato também de que o Cesar, que é o meu CPO, é um cara que é antigo pra caramba, eu já queria trabalhar com ele há um tempo, e aí foi meio que criando assim: “cara, tem essa porção de GPM, você quer?”, eu não perguntei a porção, eu falei: “eu quero trabalhar com você”, e eu fui. Tem sido legal.

 

Eu estou emocionado com todo esse depoimento do nosso amigo Farinazzo. Acho massa aprender. Como eu falei, eu acho que eu estou me tornando mais ignorante ainda no final desse negócio, porque eu estou aprendendo horrores e vendo o quanto eu ainda tenho que aprender, principalmente sobre essa parte de gestão, a parte não só de pessoas, como do próprio produto em si, apesar de, a gente ser denominado Digital Product Designer em si, acaba que nós designers ainda estamos aprendendo muito a lidar com toda essa questão da gestão do produto, de como a gente influencia mais as decisões de produto, influencia mais o rumo, a estratégia, que aí já começa um pouco essa intercessão que o Farinazzo falou, entre PM e designers, ela começa a ficar cada vez maior. Farinazzo, o que você acha dessa questão de os designers influenciarem mais as decisões de negócios da empresa? Como você acha que isso poderia funcionar? Como você imagina isso? Ou você acha que isso é total viagem hoje?

 

Raphael Farinazzo – Pelo contrário, eu acho super bacana. Quando eu coloquei lá atrás que o valor para o usuário era a intercessão de papeis, sobreposição, usabilidade era mais design e viabilidade de negócio era mais produto, é só uma questão de generalizar, mas não de definir uma regra. Então eu vejo com bons olhos. Acho que se a pessoa está ali na posição de designer, tem, às vezes, um repertório ligado a negócios, já trabalhou em alguma área de negócios: marketing, vendas, suporte, atendimento, financeiro… seja lá qual for a área, certamente é uma pessoa que a gente vai ter que ouvir bastante, que vai ter bons pontos para adicionar. Acho que essa questão de você participar ou influenciar, ela precisa ser vista de outro jeito. Não estou aqui dizendo: “está todo mundo errado, vamos pensar diferente”, mas gostaria de propor uma reflexão importante sobre isso, no mundo ideal, excluindo politicagem, as pessoas que são convidadas para uma reunião de tomada de decisão, são as pessoas que a gente entende que tem algum valor de estar ali. Ninguém vai te dar um lugar à mesa, se a pessoa achar que você não vai contribuir em nada por estar à mesa. Como eu vejo a pessoa de design influenciando negócios? Eu vejo da seguinte maneira, se ela tiver algo super bacana para contribuir, ela tem que estar na sala. Se ela não tiver, não é só pelo cargo dela que ela vai ser convidada. Não deveria ser, eu sei que na realidade tem diferenças, mas não deveria ser. Vamos pensar primeiro nessa situação hipotética ideal. Ninguém vai te dar um lugar à mesa, você vai conquistar o seu lugar à mesa. Como você vai conquistar? Dando opiniões pertinentes, trazendo sugestões pertinentes, mostrando que você mais soma do que subtrai, excluindo logo a politicagem, e tudo mais. Então, acho que se você é designer e gostaria de participar mais das suas decisões de negócio, você tem que aprender o idioma de negócios. Não adianta você chegar numa reunião em grego se você não fala grego, você vai querer falar em inglês e vai ficar bravo que ninguém está te entendendo. Só que não é obrigação das pessoas te entenderem, é responsabilidade sua se fazer entender. Eu acredito muito na questão da responsabilidade individual, porque quanto mais eu trouxe as responsabilidades individualmente para mim, mais eu entendi que tinha algo que eu podia fazer, em vez de só reclamar que ninguém estava me ouvindo. Acho que se a gente pensar dessa forma, na hora que colocar isso em prática, ainda vai ter pessoas que estão de marcação com você, que não gosta de você. Ainda vai ter pessoas que tem um cargo muito alto, salário muito alto, que querem impedir a sua subida hierárquica. Mas essa é outra característica de problema, isso envolve muito a seção, uma série de outras coisas que nem é o tema desse podcast. Mas do ponto de vista de tomar melhores decisões, entregar valor para o usuário, conquista o seu lugar à mesa, trazendo boas ideias, trazendo coisas que fazem sentido. Eu vou dar um exemplo que, talvez, seja ruim. Eu sei que faltam exemplos na minha resposta. Não adianta eu chegar e falar assim: “a gente vai entregar muito mais valor para os usuários se todos os produtos forem gratuitos para sempre”, é uma baita ideia, mas ninguém nunca mais vai me envolver numa reunião, vão falar: “esse cara é louco, ele quer quebrar a empresa”. A menos que eu chegue com essa ideia e diga assim: “a gente nunca mais vai cobrar nada, porém, olha esse modelo de negócio aqui, como ele seria altamente lucrativo, e assim a gente poderia manter tudo de graça”, que é o caso do Google. Por que fazer uma busca no Google é de graça? O time de SEO do Google não tem salário? Tem, o time de motor de busca tem salário. De onde vem esse salário? De Adwards, de outras coisas que eles monetizam, e que não faria sentido eles desligarem o produto gratuito, porque o produto gratuito é o que sustenta os produtos pagos. Se eu venho com uma ideia revolucionária, pode ter certeza que eu vou estar ali em todas as reuniões de negócio dali em diante se eu vier com essa ideia, ninguém mais vai te tirar, vão falar: “esse cara é louco, ele vem com essa sugestão, isso não faz sentido nenhum para o nosso negócio, a gente quebraria em dois, três meses, e ele ainda diz que ninguém está ouvindo ele”. Obvio que ninguém está ouvindo ele. Então acho que é isso, em resumo, o lugar à mesa se conquista. Às vezes, contra a tudo e contra a todos, contra pessoas que literalmente não gostam de você, não querem nem que você ganhe esse lugar à mesa. Mas ali é uma reflexão até de carreira, será que você tem que continuar nessa empresa trabalhando com essas pessoas? Eu também não sou a favor de ficar pulando de empresa em empresa não, acho que é uma decisão que pode ser tomada com cuidado.

 

É exatamente isso que eu queria abordar, porque você falou algumas coisas ao longo do seu discurso, que eu anotei aqui. Você falou uma coisa muito legal que é, gostar do que faz. Em algum momento você disse isso e colocou ênfase, mais do que você está fazendo, mas é gostar do que você está fazendo. Por último agora, você mencionou a questão da responsabilidade. Ser responsável e ter o que a gente chama de ownership, em relação ao nosso Craft, ao que a gente executa. Eu estava como Red de produto e saí recentemente, você estava como Red de produto também na Involves e saiu recentemente. Obviamente que a gente sempre busca algo melhor, ninguém quer “peraí que eu vou sair para ir para uma empresa pior”, não, você estava num lugar muito legal e você quer ir para um lugar mais legal ainda. Você quer ter uma outra experiência em alguns casos, ou quer se aprofundar. Como você falou assim: “parece que eu estou dando um Step back, mas será que é bem isso?”. Eu queria te perguntar uma coisa que, às vezes, eu fico questionando, em relação aos próprios movimentos que eu deva fazer, ou não deva fazer. Quando que a gente deve continuar na empresa que a gente está? E até que ponto, o fato de, ficar pulando de galho em galho afeta a nossa carreira? Quando é a hora de mudar de empresa?

 

Raphael Farinazzo – Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares, talvez até mais, porque… sabe quando você está no ponto de ônibus e o ônibus não chega? Você fica assim: “vou pedir um Uber, porque eu estou atrasado”, você pede o Uber e antes do Uber chegar passa o ônibus. É mais ou menos, esse dilema. A gente vê, às vezes, pessoas saindo da empresa porque se afobaram, na ansiedade ali de achar que esse ônibus não vai chegar, “vou pedir o Uber para ir embora”, e chega o Uber junto com o ônibus. Por que a pergunta é de 1 milhão de dólares? Porque a gente nunca vai ter certeza de que é o momento de sair. Claro, se você sair, não adianta ficar olhando para trás, “deixa eu ver se eu fiz a decisão certa”, saiu, saiu. Eu já voltei para uma empresa da qual eu tinha saído, porque fez sentido para a minha carreira naquele momento. Quando é o momento de sair? Eu acho que você tem que entender o que você quer para a sua carreira e aonde você quer chegar. Algumas pessoas têm planos de carreira de longo prazo, não é o meu caso, mas algumas pessoas têm muita clareza do que elas querem, com ambição de carreira de 5, 10 anos. Eu não consigo nem afirmar para ti que daqui a 10 anos eu vou estar trabalhando com produto. Porque eu oriento a minha carreira a realizações. Não pensa que isso é no sentido de algo que eu possa apresentar numa palestra depois, mas algo que eu posso depois contar a história daquele trecho da minha vida, de uma maneira que me agrade e que eu sinta que somou. Para mim fez muito sentido trocar de Red de produto e chegar na Xerpay naquele momento, porque tinham esses aspectos ali, como eu falei, de fintech, de trabalhar com o Cesar. Isso quer dizer que as pessoas que trabalhavam antes eram ruins? De jeito nenhum, eu tenho um respeito, uma admiração enorme pela Involves. Eu quero ver os caras gigantes, eles merecem, o produto é bom, o time é bom, porém, naquele momento para a minha carreira estava fazendo mais sentido. E considerem que a gente estava no meio de uma pandemia, alguns negócios estavam indo bem, alguns negócios não estavam indo bem, quase todas as empresas que a gente conhece fez Day Off. Enfim, estava um momento super delicado, a gente tinha que tomar algumas decisões de carreira, levando em conta critérios que a gente não levaria geralmente. Para mim fez sentido. Qual é o ponto? Você sair cedo demais, você não vai ter resolvido o problema interno, na sua cabeça, e aí você vai começar a sair cedo demais de todos os lugares. No primeiro probleminha que apertar o calo, você vai falar: “cara, tem emprego pra caramba na área de tecnologia”, e aí você vai ser a pessoa que não enfrenta problema, que não resolve problema, que simplesmente no primeiro problema vai embora para ganhar mais e vê o que dá. Por outro lado, você demorar demais para sair, você está se colocando em condições desfavoráveis de achar o seu próximo emprego. E ainda tem o aspecto de pessoas que ficam realmente longos períodos na empresa, mas porque elas transicionam de responsabilidade. Eu gosto bastante do conceito de tour of duty, é um conceito que ele pegou emprestado dos militares, que você está sendo despachado para uma missão, que ela tem um tempo para acontecer, está muito claro para você o que você tem que fazer durante esse tempo, depois você volta e a gente acha uma missão para você. Na RD eu vi três tours of duty, em três squads diferentes. Eu fui despachado para uma missão que fazia muito sentido para a minha carreira. À medida que essa missão começou a não fazer mais sentido, eu conversei bastante com o Diego, que era o meu líder na época, e falei: “tem alguma outra missão aqui dentro da RD, que eu vejo que está fazendo mais sentido para o que eu gostaria para a minha carreira”, poderia tentar cavar esse espaço? Que era o tipo de parcerias, e cavamos esse espaço e deu certo. Depois de um tempo, eu falei: “tem uma outra missão aqui que eu gostaria muito de trabalhar com jornada, estou sentindo que isso é uma defasagem em mim como produteiro, e eu gostaria de ter esse conhecimento”, porque estava se abrindo uma oportunidade ali. Eu falei: “se topar, eu assumo esse negócio, faz sentido para mim”, e assumi, que foi o meu trabalho com o Wesley, como meu designer no squad. Então, acho que, primeiro ter esse lance de “qual é a minha próxima missão para qual eu gostaria de ser despachado? E que vai me completar como profissional, que faz sentido para ser o meu próximo passo de carreira”. Segundo, essa missão está dentro da minha empresa ou está fora da minha empresa? É possível essa missão existir dentro da minha empresa? Ou não é possível? E terceiro, é a parte cultural, de clima mesmo. O problema que eu enfrento hoje estruturalmente é reversível ou não é reversível? Eu tenho capacidade de ser uma agente de mudança e melhorar essa situação? Ou não tenho? Porque, às vezes, você pode avaliar e falar: “eu já perdi toda a minha credibilidade nesse lugar, mas ao meu ver, eu já não consigo mudar nada aqui, é hora de ir embora”, o que leva você pensar isso antes de tentar.

 

Repete isso aí, eu achei interessante esse ponto. Como que é?

 

Raphael Farinazzo – Imagina que você está no lugar que você vê que tem mudanças culturais que precisam acontecer. A sua capacidade de promover essas mudanças culturais vai ser tão maior, quanto maior seja a sua proximidade com o C-Level. Não adianta você achar que você vai conseguir promover uma baita mudança cultural, se você está a 10 passos do CEO. A menos que, você é um estagiário, você consegue agir em mudança? Consegue, se a empresa tiver 10 pessoas, você está próximo do CEO como estagiário. Você está nessa situação, você precisa mudar ali culturalmente, você entende que aquela empresa tem um baita potencial, mas tem aqueles 3 ou 4 aspectos culturais ali que você sabe que se não forem resolvidos, não vai resolver o problema da empresa e vai tudo dar errado. Você tenta ser um agente de mudança, você começa a propor aquilo em reuniões com as pessoas que você entende que podem mudar alguma coisa. Porque não adianta ficar reclamando para quem não pode mudar nada, porque aí você é só o reclamão. Em vez de falar do problema para alta divisão, você fica falando para a galera que é seu par, que também não pode fazer nada, e você está só disseminando os desconcordes. Isso eu também não acho legal. Já fiz na minha carreira, e estava errado fazer. Não estou criticando pessoas alheias, estou me criticando. Você começa a abrir espaço ali, às vezes, com o RH, você começa a procurar quem são as pessoas confiáveis no RH, quem são as pessoas confiáveis na diretoria, que um dia poderia conversar. Ou se você está muito longe da diretoria, quem são as pessoas confiáveis no nível de coordenação, de gerência, que poderiam ajudar levar essa mensagem lá para cima. E aí você tenta fazer isso, e você vê muita resistência. No meu exemplo hipotético ali, você começa a ver muita resistência. Tem uma hora que você tem que avaliar se você ainda tem credibilidade para continuar ali. Porque se você já propôs várias coisas de jeitos diferentes, e sentiu que você está dando com a cabeça na parede ali e só está doendo a sua cabeça, tem uma hora que as pessoas vão parar de te ouvir, porque ou você não conseguiu se fazer entender ou é impossível se fazer entender, a pessoa está com a cabeça fechada mesmo e não ia ouvir, quem quer que falasse para ela, não ia ouvir. Esse é o momento de você avaliar se você tem credibilidade ainda para continuar ali, ou se é a hora de ir embora. Pode ser que você tenha entendido que chegou um ponto que, sem querer, virou pessoal, e aí nada do que eu diga as pessoas vão levar em consideração mais. Então eu vou ficar falando sozinho. Para falar sozinho aqui, eu prefiro falar sozinho na minha casa. Então, procura algo que dá para a sua carreira. Eu acho que eu nunca cheguei nesse ponto, de sentir que não tem mais clima, não tem mais credibilidade, nada que eu faça aqui vai dar certo. Mas tem uma passagem na minha carreira que estava muito perto de chegar a isso, mas antes de chegar surgiu uma proposta super bacana e eu fui embora. Mas ia acontecer, e se eu não tomasse essa decisão, o meu chefe ia tomar por mim.

 

Alguém no fim do dia tem que tomar a decisão que está em cima da mesa? Que seja você.

 

Raphael Farinazzo – Exatamente. Até porque, é muito mais fácil achar um emprego legal quando você já está trabalhando.

 

Eu tenho a fama de recuperar assuntos que já foram falados no passado. Mas acho que uma coisa se encaixa com a outra. Ali naquela pergunta que eu tinha feito sobre sentar à mesa e fazer parte das decisões, e como a gente está falando aqui de decisões também, no âmbito de carreira “fico ou não fico”. Pelo o que eu entendi que você tinha falado lá no passado, é o seguinte: é independente do cargo e é independente da posição, a questão é você ter ali insumos para dar contribuição para essa questão da mudança ou dos objetivos, ou da estratégia que está sendo colocada? Desculpa eu ter puxado de volta esse assunto, mas que eu achei correlacionado com isso. Foi, mais ou menos, isso que você encapsulou ali? Só para resumir. Porque eu falei: “o que você acha de os designers estarem assumindo algumas dessas posições?”, na minha cabeça o entendimento foi: “cara, esquece essa questão de designers, PMs, gestores. A questão é o quanto você pode contribuir, ou o quanto você está preparado para contribuir”, seria isso?

 

Raphael Farinazzo – Exatamente. Porque numa empresa na qual você gostaria de trabalhar, as pessoas que contribuem vão ser convidadas para decidir junto. Se elas não são convidadas, você tem que pensar se essa é a empresa na qual você gostaria de trabalhar. Já que você voltou num assunto antigo, eu quero voltar num assunto antigo também. Vamos lembrar que tecnologia é super aquecido, tem vaga pra caramba. Essas dicas todas, esse entendimento todo ao qual eu cheguei, diz respeito ao cenário de tecnologia. Se eu precisasse trabalhar para sustentar os meus filhos, para sustentar a minha casa e não ter um monte de vaga pipocando por aí, não tem outro jeito, a gente de tecnologia consegue se dar ao luxo de fazer esse tipo de reflexão e falar assim: “eu vou escolher trabalhar em outro lugar, porque aqui não dá mais”, porque a gente sabe que tem vaga. Mas não vamos esquecer que para a grande maioria dos brasileiros a situação não é assim, a situação é “preciso pagar o meu aluguel e eu não posso me dar ao luxo de… vou escolher trabalhar em outro lugar”, o que tem é isso aqui, o clima está ruim, ninguém está me ouvindo, mas é o que põe comida na mesa. E é muito nobre, é muito digno isso também. Não se deixem abalar entre uma onda de tristeza, porque você está num lugar ruim, porque o que você está fazendo, na verdade, é extremamente digno, extremamente nobre, que é botar comida na mesa e sustentar.

 

Boa reflexão. E a resiliência é muito nobre, porque traz um outro objetivo. Muito bom.

 

Raphael Farinazzo – Eu vejo pessoas que estão sendo colocadas à prova a sua resiliência, às vezes, entrevistando usuários, pessoas da minha relação, não é só porque a gente é de tecnologia que a gente só convive com gente de tecnologia, que está financeiramente bem. E hoje eu vejo muito, a minha resiliência nunca foi colocada à prova, na resiliência em permanecer no emprego, às vezes, aceitar uma liderança ruim, nunca foi colocada à prova dessa maneira. Eu falei assim: “Procura alguém confiável no RH, procura alguém confiável na diretoria”, eu tenho certeza que tem muita empresa que não tem nem isso, que a pessoa está literalmente sozinha, sendo colocada à prova a sua resiliência. Ainda assim, eu acho que ela deveria tentar sair dali? Sim, mas não vai ser coisa de 1, 2 meses não, a pessoa tem que se preparar para uma jornada bem longa de achar outro emprego legal. Até que essa jornada se cumpra, tem que ter resiliência, e eu admiro muito isso, porque como eu falei, eu nunca fui colocado à prova dessa maneira, eu não posso nem dizer que eu consegui.

 

Eu gosto muito do Fari, que ele vem com o exemplo, e o exemplo dele, na verdade, é uma história. Ele tenta contar uma história, ele vai te conduzindo ali e você vai embarcando junto com ele naquela história, porque é uma parada envolvente. Ele cria uma afinidade maior. Primeiro que você dá um contexto melhor para as pessoas, e que, de alguma forma, você acaba criando uma conexão com a audiência. Isso é característico de PMs que sabem contar boas histórias, ao invés de, simplesmente dizer assim: “olha, que problema que a gente está resolvendo? Não, peraí, que eu vou te contar uma história e você vai embarcar junto comigo e vai se apaixonar nessa parada”.

 

Raphael Farinazzo – Obrigado. Baita descrição, eu concordo contigo. Mas lembra que eu comecei como redator publicitário. O meu primeiro emprego já foi escrevendo, tendo que converter, que conquistar, e isso eu acho que acabou se tornando um pouco natural na minha carreira. Mas também, eu adoro literatura, adoro filme, adoro cinema, no geral, séries, etc. Então, eu pego muito repertório nos filmes que eu gosto, séries, livros que eu gosto de ler. Acho que ajuda bastante.

 

O cara que cita Shakespeare para poder explicar conceito, está excelente, está ótimo. O cheiro das rosas. Não importa. O meu inimigo é o seu nome, mas você não vai deixar de ser quem você é por causa do seu nome.

 

Raphael Farinazzo – Exatamente. Cara, repertório é sempre muito bom. O pessoal: “Dicas de livros de produto”, eu acho que os livros de produtos são os mesmos, que você já conhece. Mas leia literatura, e se não gostar muito dele, veja filmes clássicos, por exemplo, tem muita coisa boa para a gente pegar, adaptar e trazer para a nossa realidade, como a gente conta essa história. E tem muita coisa boa que é junto também da área, com ambientes ruins do trabalho, com dificuldades, com superação, filmes que são altamente inspiradores na questão da resiliência, como eu tinha falado. Acho que é isso, repertório nunca é demais.

 

Lembrando que o Farinazzo é professor na PM3 também.

 

Raphael Farinazzo – Sim, com novas iniciativas no forno. Vamos ver se quando lançar essa temporada, elas já vão ter sido lançadas.

 

Eu dou alguns cursos na Mergo. Alguns cursos são de final de semana, ou são cursos de duas semanas, tem alguns cursos que são de dois meses. Mas independente do curso, tem uma frase que a gente diz no final, que eu gosto muito e cada vez eu uso ela com o devido contexto, que é: “duvide de tudo que está sendo dito”. E aí, tem um ponto que você trouxe para mim aqui, que eu acho que complementa isso, porque tudo que a gente está citando, o conteúdo inteiro desse podcast, qualquer livro que você venha ler, qualquer curso que você venha fazer, eles só contam metade da história. Por quê?

 

Raphael Farinazzo – Porque na prática a teoria é outra. Eu me refiro muito as minhas próprias histórias de carreira ou procuro trazer um exemplo hipotético, porque você tem que analisar todo o contexto. Eu trago as minhas histórias de carreira, no contexto de como estava a minha vida naquele momento, as minhas responsabilidades, os meus objetivos, quanto eu ganhava, quanto eu pagava de conta, o que eu queria para a minha carreira, quem era o meu chefe, quem eram os meus pares, aquela decisão me pareceu a melhor a ser tomada. Mas a real é que a resposta para 90% das questões é “depende”, só que “depende” é uma resposta meio canalha, então você tem que elaborar mais. Depende do que? O que eu deveria levar em consideração para transformar esse “depende” em um sim ou não? Então é isso, metade da história, porque a outra metade está em você. A outra metade é você que vai construir com as suas reflexões, com as suas decisões.

 

Farinazzo, eu já era seu fã, fiquei mais fã ainda. Achei muito legal. Foi um dos papos mais legais que a gente já teve sobre produto, sobre design, sobre coisas que a gente gosta, e a gente faz isso porque a gente gosta. Não tem ninguém mandando a gente fazer, a gente não está ganhando dinheiro com isso, a gente está colaborando com o conteúdo porque a gente gosta de fazer, e eu estou muito feliz de te ter aqui. Muito obrigado pelo seu tempo, por colaborar com a sua experiência, seus aprendizados, suas derrotas, seus erros. Achei muito legal isso, porque em alguns momentos de fala ali, você se expos, inclusive, e eu acho isso muito nobre. Parabéns, muito obrigado. 

Raphael Farinazzo – Obrigado vocês por terem me convidado, eu fiquei super feliz de estar aqui. Eu gosto bastante de conversar sobre esses temas. Como você falou, eu faço realmente porque eu gosto, e fico mega feliz de poder ajudar. Eu falei que 200 mil pessoas vão ouvir esse podcast, espero que até mais, espero que seja um grande hit, mas dessas 200 mil se eu puder ajudar 10, já está bom.

 

Tem alguma mensagem final?

 

Raphael Farinazzo – Acredito que a mensagem final eu retomaria a questão da responsabilidade individual. Às vezes, acontecem coisas ruins para a gente, que não são responsabilidade nossa, que não são culpa nossa. Eu não sou ingênuo de achar que tudo que está acontecendo na sua vida é por sua causa, não é assim, eu sei que não é assim. Porém, acho que por uma questão de ponto de vista, de realmente pensar em como melhorar a sua situação, independente dela ser culpa sua ou não, você chamar para si algumas responsabilidades, pode ajudar bastante. De novo, é um grande “depende”, eu estou só contando a metade da história, eu não conheço a sua vida, o seu contexto, o que está acontecendo com você. Mas, no geral, uma coisa que me ajudou muito foi pensar, o que eu posso fazer? O que está dentro do meu controle? O que está dentro das minhas perspectivas, e que eu possa fazer imediatamente para melhorar a minha situação? Pensar assim. Como eu falei, eu já fui a pessoa que reclamava e não fazia nada. Então, pensar assim me levou a parar de reclamar um pouquinho, olhar um pouco mais para o que eu posso fazer de bom. Até me deixou menos ansioso e mais feliz.